Hollywood
Deste lado da mesa alguém bebe um destilado com refrigerante pra esquentar sua fria tristeza; do outro lado outrem toma sua cerveja, compenetrado, pensando, quiçá, em alguém importante que partiu pro outro lado da vida; por outro lado, da Avenida, seres desprezados pelo Estado, em seu estado deplorável, pede esmola a seres desprezíveis, que por sua vez os rechaça e os deprecia com a sola da triste frieza; do outro lado da mesma mesa, um ser acostumado ser olhado de lado pelos olhos execráveis dos carros, e pisoteado pela indiferença dos sapatos caros, cheira(consome) sua cola, pra fome sumir, como se comesse uma pizza da grande com coca ou um prato cheio de macaxeira com charque e um copo de café.
Outro cara, desolado, afoga suas frustrações, e dívidas, e perdas e decepções na bebida (a carteira de cigarro cheia ao lado, enquanto a outra, a do bolso, vazia), enquanto revive suas paixões das antiga nas canções do passado, diga-se de passagem, enquanto rememora namoros (amores) do passado nas doses de pinga.
E eu sigo em frente a despeito disso tudo por este lado do Rio Capibaribe, cabisbaixo, com o semblante triste, sobretudo pensativo, com a vista marejada, já tão mal-vista, calejada das revistas da polícia que mais mata e das estatísticas de jornal, sentindo cair uma gota de sal pelo meu rosto - não do céu, nem da maré, nem do suor da testa, mas do meu desgosto ou da pouca fé que me resta no ser humano...
Em alguma parada compro um café e bebo-o, fumando um hollypoint no ponto de ônibus... E penso nas pessoas desamparadas dormindo nas calçadas sujas das lojas, desesperançadas, cuja proteção e companhia vêm dos cães - iguais em condição desumana, iguais em desgraça; que não têm o que ruminar - sequer as lascas dos pães dormidos - senão murmuração do próprio destino desatinado; que não têm sequer cobertor, pra cobrir o frio da noite, quanto mais cobertura do (des)governo?! Que não têm nem no que atinar, senão na lua prateada, minto, na luta diária da bolsa de leite, caríssimo, pro menino, e na sua cinza-brasa-tiro… na lata..
"E o que lhes restam é só o gemido..." e mais nada!
Quando acendo outro hollywood,
o ônibus chega pra me levar pra casa,
com o peito apertado, no aperto;
Com o cigarro ainda aceso,
boto no ouvido uns rap do Rappin' Hood,
E, antes de subir, apago a brasa no dedo...