EVA
o dia amanhece
carrega nas fissuras da memória
o cheiro de sangue e água
emanado do corpo-desterro
do cristo-negro no pelourinho
pensamentos em fuga
passado futuro presente
sente as pernas exaustas
carrega nas costas
o alvitre do açoite
e no alforje
as sementes do amanhã
ipês doiram o caminho
o carro-de-boi marca o passo do inverno
e o sol vem subindo
ouro-destino
e as anciãs
com seus olhos de eternidade
abençoam sua jornada-Eva
primeira mulher
mãe de Campo Grande
uma negra
no meio do cerrado
grávida de sonhos
apagada da História
“quem inventou essa terra
foi uma mulher”
canta a anciã com os olhos no horizonte
“quem pariu um sonho
com pé fincado na terra vermelha
foi uma negra”
canta a menina-futuro
com a pele retinta de coragem-herança.
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Poema para Eva Maria de Jesus (Tia Eva), verdadeira fundadora de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Apaga propositalmente da História por ser mulher negra alforriada.
Publicado na Coletânea Mulher e Literatura, Mulherio das Letras, Poços de Caldas/MG, 2020