Um brinde

Esmagam-me!

Tiranizam a minha pobre angústia.

Na cidade conturbada se finge surdez,

E se põe o prato dos falsos moralistas à mesa.

As luxuosas vestes cobrem os olhos

E a doce egolatria, o bom juízo.

Todos se importam na Cidade do Futuro.

Dentro desse tormento, meu corpo se obstina

À grande praga dos séculos,

Às migalhas do café da manhã

E aos soluços consternados da madrugada.

Estou estraçalhada sobre o asfalto

Observando a todos passarem por mim.

Esmagam-me!

Tiranizam os meus pobres vestígios.

Todos curvam suas cabeças,

Pensam e estão proibidos de se expressar.

E o novo choro da humanidade,

Se esconde nos cartazes de recompensas fartas:

"Procura-se voz",

Então eu grito.

Mas quem há de me escutar?

E agora, sob as asas da penumbra,

Ofereço em taças

O perpétuo amargor da desgraça.

Estamos todos nos envenenando

E rindo.

Sim, um brinde:

À cegueira coletiva.

30.10.2019

Pétalas Escarlates
Enviado por Pétalas Escarlates em 19/08/2020
Reeditado em 19/08/2020
Código do texto: T7040671
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