Megalópole qualquer

Numa “Cidadezinha qualquer”

pacata do interior

onde as pessoas andam devagar

as janelas olham as ruas

e pessoas sentam-se à porta

para verem o sol e a lua,

um velhinho bem velhinho

e ainda agricultor

acorda de madrugada,

assite ao sol nascer

e faz uma caminhada

todo dia dez quilômetros

até seu sítio Alvorada.

Quando tá chovendo forte

para não perder a lida,

sela e monta em Trovoada,

sua égua mais querida

e juntos chegam enxarcados

de muita felicidade.

Mas se for só uma garoa,

prefere ir a pé mesmo,

dançando ali no chuvisco,

pois sua saúde é tão boa,

que nem assim corre risco.

Varre o chão de terra batida,

mas não há lixo, só ciscos,

e com seu jeguinho Peralta

esbelto, jovem e arisco

e seu fiel vira-latas

de muita esperteza e raça,

entram na capoeira

pra tirar lenha de angico:

“ela é muito mair mió

porque faz pouca fumaça”

Retornam para a choupana,

acende o fogão à lenha,

faz uma bela tapioca,

assa o seu próprio pão,

toma um cafezinho tropeiro,

depois vai pegar ração.

Ele abastece os cochos,

tira o leite da Mimosa

depois visita o açude e

joga ração para os peixes,

para os patos que nadam,

joga milho pras galinhas

e depois fica assistindo

ao campeonato de bico.

Recolhe todos os ovos

de capoeira nos ninhos

e só deixa um, indez.

Ouve os pássaros tico-ticos,

bem-te-vis e sabiás,

papa-capins, curiós

e canários a cantar,

mas todos criados soltos.

Aguoa as flores do jardim

espantando as borboletas

e um lindo panapaná

pigmenta a paisagem.

Depois chegam beija-flores,

pairando sempre no ar

e aproveitam pra tomar

banho de mangueira.

Depois ele ara a terra,

planta, cuida e colhe

sobe num pé de jaqueira

de cajueiro e mangueira

laranjeira, goiabeira

e cum panacum nas costas

tira as frutas bem fresquinhas.

Depois disso enche tudo

bombeando água do poço

e logo depois do almoço

vai tirar uma sonequinha.

Logo acorda bem tranquilo

fiscalisa tudo aquilo

e antes do sol se por,

volta pra cidadezinha.

Se for num fim de semana

tem a casa cheia de netos,

de filhos e de sobrinhos,

uma alegria incrível.

Ninguém olha o celular

e se abraçam ao vivo.

Chega em casa muito alegre

quase na boquinha da noite

e sua velhinha lhe espera

com sorrisos e carinho.

Um boa mesa farta

já lhe espera para a janta;

senta com sua velhinha,

mas antes, oram pra santa.

Agradecem tudo aquilo,

e não só a mesa farta,

porque nada mais lhes “farta”.

E hoje tem macaxeira

com boa carne de sol,

queijo cuscuz e leite

de sua vaca Mimosa.

Depois os dois numa prosa

contam como foi o dia,

e vão assistir juntinhos

a novela na TV,

interagem e comentam

todo aquele fuzuê.

Chega a hora do jornal

e não perdem as notícias

e as grandes megalópoles

invadem a casa e o casal.

Muita gente apressada,

manchetes de violência,

economia, truculências,

veículos loucos, barulho,

janelas e portas fechadas,

muros, muros e muros.

E a política ridícula

sem cumprir o que prometeu.

Fala para sua velhinha:

“— Êta vida besta, meu Deus!”