NÃO DURMAS
NÃO DURMAS
(Goulart Gomes)
para Carlos Valadares, Loreta Valadares (em memória)
e Cyro Mascarenhas
Peço-te: não durmas.
Nas franjas da noite eles vêm,
pelo silêncio dos becos
com suas adagas afiadas
e suas rubras foices enferrujadas.
Sei que tuas retinas estão cansadas
mas, imploro: não durmas, fica desperto
pois dentre as brumas eles se alevantam
e se já pisaram tuas flores,
mataram teu cão,
o que não farão contigo?
Fica vigilante, reveza com teu irmão
na vigília, ombro a ombro, até que brilhe a aurora
para que sempre esteja alguém
de olhos bem abertos.
Eles vêm sorrateiramente e só zurram
quando jorram lágrimas e sangue
em suas mãos.
Nem que tenhas que queimar os dedos
para afugentar o sono
não feche teus olhos, não lhes dê as costas
pois sempre agem à traição.
Mas quando o sol raiar
(e não há de tardar)
repousa, mas só um pouco
pois enquanto houver um deles
não podemos cochilar.
Ouve o que te digo:
Não durmas
pois podes não mais acordar.