A Comédia Farsesca e a Realidade Grotesca
Personagens de ficção
Estão a pular das telas
De cinema e televisão,
São palhaços coloridos,
Coringas revestidos,
Fantasmas enrustidos,
Mocinhos e bandidos,
Fazendo encenação.
Os atores diversos
Decoram seus papéis,
Declamam seus versos,
Estudam as marcações,
Repassam suas ações,
Fingem suas emoções,
Ensaiam suas canções,
Vivem outros universos.
Cada um faz a escolha
De como deve atuar,
Dentro de uma bolha
Ou numa armadura,
Com muita candura
Ou com ferradura,
Usando boca-dura
Ou como um nolha.
Tem o tal de pastor
Que usa de uma igreja
Para se fazer salvador,
Ele prega a doutrina
Com língua ferina
E as mentes azucrina
Com postura czarina
E punho de ditador.
Tem o juiz justiceiro
Amado pelo povo
E pelo setor financeiro,
Ele se acha acima de Deus,
Defende somente os seus,
É amigo dos fariseus,
Dos deuses ele é Zeus,
Mas do diabo é parceiro.
Todos são personagens
Que têm duas faces,
Exageram suas micagens,
Capricham nos enredos,
Escrevem com dez dedos,
A vida é um brinquedo,
De nada eles têm medo,
Em tudo levam vantagens.
Um ator de qualidade
Convence muito bem
Pois faz parecer verdade
A mentira mais deslavada
E, se a plateia é excitada
E quer mesmo é dar risada,
Gosta dessa palhaçada
Que parece realidade.
Tem o que enfrenta a luta
Com um vilão poderoso,
Mas se a fantasia é fajuta
Seu discurso é espetacular
A ponto de despertar
A raiva no meio do mar,
Pois ele sabe flertar
Com muita gente inculta.
Os principais são inimigos
Da decência e da sensatez,
Pois se fazem amigos
Do ódio e do preconceito
Esbravejando de um jeito
Feroz e com trejeito
Seus tantos preceitos
Dos tempos mais antigos.
A farsa será encenada,
Papéis distribuídos,
A rubrica observada,
Atores em posição,
Acende-se um canhão,
Um "spot" aponta o chão,
Refletor para o fundão,
A cortina é levantada.
O ator está aquecido
E dá sua primeira fala,
O texto já é conhecido
E o público já gosta,
Sucesso é a aposta,
Chocar é a proposta,
Uma mesa justaposta
E sobre ela um falecido.
O honesto está morto,
Um cidadão ali jaz,
O personagem absorto
Observa o corpo inerte,
O olhar então converte
E os presentes adverte
Que quando se inverte
O valor fica bem torto.
Ele defende a tradição
Família, propriedade,
Moralidade e religião,
Diz o texto bem caduco
De um autor maluco,
Ele porta um trabuco,
Isso agrada ao eunuco
E também ao Zé Povão.
Machistas se revelam,
Puritanos têm orgasmo,
Submissos se rebelam,
Preconceitos se afloram,
Interesseiros colaboram,
Suas falas incorporam,
Do seu jeito as exploram,
As baixezas se nivelam.
Personagem se empenha
Em dizer algo novo,
Ele põe fogo na lenha
Criando notícia de impacto,
Botando na fala um caco,
Comentando algum fato,
Deixando-nos estupefatos,
Pois a verdade ele desdenha.
É o teatro burlesco
Encenado na sociedade
Bem ao estilo grotesco
Que volta à Idade Média
Com drama e tragédia
Ou bufonaria e comédia,
Ninguém segura a rédea
Do instinto animalesco.
A peça segue em cartaz,
É sucesso de bilheteria,
O público pede mais,
Os críticos metem o cacete,
Destacam diversos caquetes,
Irritam-se com os falsetes,
Muitos descobrem os macetes,
Mas para encenação tanto faz.
Muitos não sabem distinguir
A ficção da pura realidade,
Por isso estão a confundir
Os atores com os personagens,
Autoridades a dizer bobagens
Transmitem suas mensagens
Confundindo em suas linguagens
Aqueles que os estão a ouvir.
Aberio Christe