Simplesmente Maria
Simplesmente Maria
Sai furtivamente na madrugada
Inverno, verão, qualquer estação,
Pé na estrada, bolsa na mão
Na mesma rotina, anônima na multidão
Mãos juntas agradecendo em oração
Joelhos dobrados rosto colado ao chão
Recita versículos, murmura na solidão,
Busca consolo, sofre calada.
Na luta diária com mãos de fada
Cozinha, varre, limpa cuida da criançada
Ensina, azucrina, buzina desesperada
No transito rotineiro, corta ruas embriagada.
Exímia tecelã compõe a trama
Com fios brilhantes do futuro destino
Costureira experiente une os retalhos
Das desilusões próprias do seu drama.
Suas milhares de faces estão expostas
Nos “outdoors” ordinários do cotidiano,
Refletidas nos espelhos das luzes de fim de ano
Ainda jovem sorri como na tela de Ticiano.
Tão cedo já está de pé,
Por trás de um balcão, servindo café,
Sorrindo para todos, mastigando os bom-dia,
Em tantas esquinas, em cada estação.
Em todas as faces independente de cor,
Brilha um sorriso carinhoso de amor,
Vezes, um pouco triste num momento de dor,
Como trazia no rosto a mãe do Senhor.
De vez em quando alguma desregrada
Rasga a madrugada expulsando seu fruto
No leito do estagnado e morto rio
Matando a esperança, espalhando o luto.
Dando triste destino a inocente criatura
Tão inocente e prematur,
Linda promessa, presente de de nosso Senhor
Tentando sobreviver depois de jogada na lama
Quem sabe um dia,
Ser simplesmente Maria...