MEMÓRIAS VERMELHAS E INSPIRADORAS - Pablo Neruda: “Eu não me calo”

INDIGESTÃO: Como as ditaduras temem a palavra!

(Erico Verissimo)

Somos principalmente o que fazemos para mudar o que somos.

(Eduardo Galeano)

________________________

A Poesia é a arte que coordena as ideias e as palavras de modo a expressar o pensar e o sentir de forma bela. Fala ao coração. É o belo em forma de Linguagem. Mas a divisão da sociedade em classes, a violência gerada pela exploração da minoria opressora, violam também a arte em todas as suas formas. Em vez de terna, a poesia se torna dura, embora não deixe de ser bela. É que o poeta tem “apenas duas mãos e o sentimento do mundo” (Carlos Drummond de Andrade).

_______________________________

Louvor do Revolucionário

Quando a opressão aumenta

Muitos se desencorajam

Mas a coragem dele cresce.

Ele organiza a luta

Pelo tostão do salário, pela água do chá

E pelo poder no Estado.

Pergunta à propriedade:

Donde vens tu?

Pergunta às opiniões:

A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem

Ali falará ele

E onde reina a opressão e se fala do Destino

Ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa

Senta-se a insatisfação à mesa

A comida estraga-se

E reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá

Vai a revolta, e donde é escorraçado

Fica ainda lá o desassossego.

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'

Tradução de Paulo Quintela

__________________________

Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,

o burguês-burguês!

A digestão bem-feita de São Paulo!

O homem-curva! o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,

é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!

Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!

que vivem dentro de muros sem pulos;

e gemem sangues de alguns mil-réis fracos

para dizerem que as filhas da senhora falam o francês

e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!

Fora os que algarismam os amanhãs!

Olha a vida dos nossos setembros!

Fará Sol? Choverá? Arlequinal!

Mas à chuva dos rosais

o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!

Morte às adiposidades cerebrais!

Morte ao burguês-mensal!

ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!

Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!

"Ai, filha, que te darei pelos teus anos?

Um colar... Conto e quinhentos!!!

Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!

Oh! purée de batatas morais!

Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!

Ódio aos temperamentos regulares!

Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!

Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,

sempiternamente as mesmices convencionais!

De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!

Dois a dois! Primeira posição! Marcha!

Todos para a Central do meu rancor inebriante

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!

Morte ao burguês de giolhos,

cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!

Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...

De Paulicéia desvairada (1922)

(Mário de Andrade)

______________________________

Volta de passeio

Assassinado pelo céu,

entre as formas que vão até a serpente

e as formas que buscam o cristal,

deixarei crescer meus cabelos.

Com a árvore de cotos que não canta

e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos de cabeça rota

e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo

e borboleta afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.

Assassinado pelo céu!

(Federico Garcia Lorca)

___________________________

[...]

Nenhum se quis sujeitar

à ordem de ajoelhar

alguns tentaram inutilmente correr

feito uns alucinados,

alguns ficaram inabaláveis em pé,

alguns poucos tombaram de uma vez

com tiros na fronte ou no coração,

ou mutilados e desfigurados

ainda cavando o chão,

vivos e mortos estirados juntos

(...)

Às onze horas em ponto

começou a incineração dos corpos.

Eis aí a história do assassinato

dos quatrocentos e vinte homens moços.

(Walt Whitman, o poeta libertário)

__________________________

E então, que quereis?

V. Maiakóvski

Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes

e logo de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades

não estamos alegres,

é certo

mas por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado

as ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las

rompê-las ao meio

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas

_______________________

AS NOVAS ERAS

As novas eras não começam de uma vez

Meu avô já vivia num novo tempo

Meu neto viverá, talvez ainda no velho.

A nova carne é comida com velhos garfos

Os automóveis ainda não havia

Mas também não havia tanques

Os aviões não cruzavam os céus

Mas também não havia bombardeios.

Das novas antenas chegam velhas tolices

A sabedoria ainda é transmitida de boca em boca.

Bertold Brecht

__________________________________

NÓS TAMBÉM AMAMOS A VIDA

Para vocês vida bela,

Para nós, favela.

Para vocês avião.

Para nós, camburão.

Para vocês carro do ano.

Para nós, resto de pano

Para vocês piscina,

Para nós, chacina

Para vocês escola.

Para nós, pedir esmola

Para vocês ir à Lua.

Para nós, morar na rua

Para vocês Coca-cola,

Para nós, cheirar cola.

Para vocês luxo.

Para nós, lixo.

Para vocês tá bom felicidade,

Para nós, igualdade.

Para vocês imobiliária,

Para nós, reforma agrária.

Para vocês exploração,

Para nós, libertação.

Nós também queremos viver!

Meninos & Meninas de Rua

____________________________

TERRA DESTE MEU CHÃO

Ouve este pobre homem

Teu silêncio à escravidão

Mata meu povo de fome

Vem do teu útero o grão

Que alimenta a humanidade

Mas, presa neste aguilhão

Nem temes a infertilidade

És a solução pra fome

És conflito entre os homens

És a esperança do pobre

Mas submissa aos nobres

TERRA

Por que não te abres em fendas

E sepulta os senhores

Castradores de ti?

José Carlos Costa – Sorocaba – SP

____________________________

CLASSE TRABALHADORA

Dos teus braços saem muitos frutos

Alimentos e materiais que se

Transformam em produtos

Ninguém olha pra esse lado

Tudo vai para o mercado

Sempre sobra muita coisa

E as sombras onde vão?

Dizia a lei de Gérson,

“deve-se levar vantagem em tudo”

E hoje essa é a lei da burguesia

Para explorar a nossa classe

Que trabalha e se arrebenta

Muitas vezes não agüenta

E aí se mobiliza

Chora, grita, sapateia, onde pisa

Uns descalços e sem camisas

Nos dizia Tomás de Aquino

Que previa este pepino

Nos deixou um livro escrito e sublinhado

Que pegar de quem tem muito não é pecado

Meeiro, arrendatário e operário

Todos ganham menos que um salário

E se não tiver emprego

Passa frio, passa fome e, nesse mundo,

É chamado de vagabundo

Bem a frente de nossas vistas

Muitos de nós concordamos

E a mão para o diabo nós damos

Defendendo os capitalistas

Que fazem tudo e se defendem

Com uma ética individualista

Mas um dia tudo muda

E a Deus nós pedimos ajuda

Com certeza ele escuta

Se nós não deixarmos de lutar

Não sermos covardes e fraquejar

Contra toda essa maldade

Defendendo a igualdade

Temos a ética da solidariedade

Pra uma nova sociedade

Todos juntos construir

Começando pela terra

Com o lema:

Ocupar, Resistir e Produzir

Aldoir Betan – RS

____________________________

Nordestino sim, Nordestinado não

(Patativa do Assaré)

Nunca diga nordestino

Que Deus lhe deu um destino

Causador do padecer

Nunca diga que é o pecado

Que lhe deixa fracassado

Sem condições de viver

Não guarde no pensamento

Que estamos no sofrimento

É pagando o que devemos

A Providência Divina

Não nos deu a triste sina

De sofrer o que sofremos

Deus o autor da criação

Nos dotou com a razão

Bem livres de preconceitos

Mas os ingratos da terra

Com opressão e com guerra

Negam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castiga

Nem é a seca que obriga

Sofrermos dura sentença

Não somos nordestinados

Nós somos injustiçados

Tratados com indiferença

Sofremos em nossa vida

Uma batalha renhida

Do irmão contra o irmão

Nós somos injustiçados

Nordestinos explorados

Mas nordestinados não

Há muita gente que chora

Vagando de estrada afora

Sem terra, sem lar, sem pão

Crianças esfarrapadas

Famintas, escaveiradas

Morrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o pai

Para onde o pobre vai

Sempre encontra o mesmo mal

Esta miséria campeia

Desde a cidade à aldeia

Do Sertão à capital

Aqueles pobres mendigos

Vão à procura de abrigos

Cheios de necessidade

Nesta miséria tamanha

Se acabam na terra estranha

Sofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai Celeste

Que faz sair do Nordeste

Legiões de retirantes

Os grandes martírios seus

Não é permissão de Deus

É culpa dos governantes

Já sabemos muito bem

De onde nasce e de onde vem

A raiz do grande mal

Vem da situação crítica

Desigualdade política

Econômica e social

Somente a fraternidade

Nos traz a felicidade

Precisamos dar as mãos

Para que vaidade e orgulho

Guerra, questão e barulho

Dos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o Salvador

Pregou a paz e o amor

Na santa doutrina sua

O direito do bangueiro

É o direito do trapeiro

Que apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismo

Faz crescer o egoísmo

E a injustiça aumentar

Em favor do bem comum

É dever de cada um

Pelos direitos lutar

Por isso vamos lutar

Nós vamos reivindicar

O direito e a liberdade

Procurando em cada irmão

Justiça, paz e união

Amor e fraternidade

Somente o amor é capaz

E dentro de um país faz

Um só povo bem unido

Um povo que gozará

Porque assim já não há

Opressor nem oprimido.

_________________________

Poemas de Bertold Brecht

Os que lutam

"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;

Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."

O Analfabeto Político

O pior analfabeto é o analfabeto político.

Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,

do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia

a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,

o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,

pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo

Nada é impossível de Mudar

"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de

hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem

sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar."

Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.

É da empresa privada o seu passo em frente,

seu pão e seu salário. E agora não contente querem

privatizar o conhecimento, a sabedoria,

o pensamento, que só à humanidade pertence."

SOBRE A VIOLÊNCIA

A corrente impetuosa é chamada de violenta

Mas o leito do rio que a contem

Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as betulas

É tida como violenta

E a tempestade que faz dobrar

Os dorsos dos operários na rua?

DAS ELEGIAS DE BUCKOW

Viesse um vento

Eu poderia alcar vela.

Faltasse vela

Faria uma de pano e pau. FERRO

No sonho esta noite

Vi um grande temporal.

Ele atingiu os andaimes

Curvou a viga

A feita de ferro.

Mas o que era de madeira

Dobrou-se e ficou.

SE FÔSSEMOS INFINITOS

Fossemos infinitos

Tudo mudaria

Como somos finitos

Muito permanece.

QUEM SE DEFENDE

Quem se defende porque lhe tiram o ar

Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo

Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas

O mesmo parágrafo silencia

Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.

E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente

Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre

Não lhe é permitido se defender.

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ

Quem construiu a Tebas de sete portas?

Nos livros estão nomes de reis.

Arrastaram eles os blocos de pedra?

E a Babilônia varias vezes destruída--

Quem a reconstruiu tanta vezes? Em que casas

Da Lima dourada moravam os construtores?

Para onde foram os pedreiros, na noite em que

a Muralha da China ficou pronta?

A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo

Quem os ergueu? Sobre quem

Triumfaram os Cesares? A decantada Bizancio

Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo

na lendária Atlântida

Os que se afogavam gritaram por seus escravos

Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.

Sozinho?

César bateu os gauleses.

Não levava sequer um cozinheiro?

Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada

Naufragou. Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.

Quem venceu alem dele?

Cada pagina uma vitoria.

Quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande Homem.

Quem pagava a conta?

Tantas histórias.

Tantas questões.

EU SEMPRE PENSEI

E eu sempre pensei: as mais simples palavras

Devem bastar. Quando eu disser como é

O coração de cada um ficara dilacerado.

Que sucumbiras se não te defenderes

Isso logo veras.

NÃO NECESSITO DE PEDRA TUMULAR

Não necessito de pedra tumular, mas

Se necessitarem de uma para mim

Gostaria que nela estivesse:

Ele fez sugestões

Nós as aceitamos.

Por tal inscrição

Estaríamos todos honrados.

LENDO HORACIO

Mesmo o diluvio

Não durou eternamente.

Veio o momento em que

As águas negras baixaram.

Sim, mas quão poucos

Sobreviveram!

EPITÁFIO PARA GORKI

Aqui jaz

O enviado dos bairros da miséria

O que descreveu os atormentadores do povo

E aqueles que os combateram

O que foi educado nas ruas

O de baixa extração

Que ajudou a abolir o sistema de Alto a Baixo

O mestre do povo

Que aprendeu com o povo.

NA MORTE DE UM COMBATENTE DA PAZ

À memória de Carl von Ossietzky

Aquele que não cedeu

Foi abatido

O que foi abatido

Não cedeu.

A boca do que preveniu

Está cheia de terra.

A aventura sangrenta

Começa.

O túmulo do amigo da paz

É pisoteado por batalhões.

Então a luta foi em vão?

Quando é abatido o que não lutou só

O inimigo

Ainda não venceu.

A MÁSCARA DO MAL

Em minha parede há uma escultura de madeira japonesa

Máscara de um demônio mau, coberta de esmalte dourado

Copreensivo observo

As veias dilatadas da fronte, indicando

Como é cansativo ser mal

REFLETINDO SOBRE O INFERNO

Refletindo, ouço dizer, sobre o inferno

Meu irmão Shelley achou ser ele um lugar

Mais ou menos semelhante a Londres. Eu

Que não vivo em Londres, mas em Los Angeles

Acho, refletindo sobre o inferno, que ele deve

Assemelhar-se mais ainda a Los Angeles.

Também no inferno

Existem, não tenho dúvidas, esses jardins luxuriantes

Com as flores grandes como árvores, que naturalmente fenecem

Sem demora, se não são molhadas com água muito cara.

E mercados de frutas

Com verdadeiros montes de frutos,no entanto

Sem cheiro nem sabor.E intermináveis filas de carros

Mais leves que suas próprias sombras,mais rápidos

Que pensamentos tolos,autómoveis reluzentes,nos quais

Gente rosada,vindo de lugar nenhum,vai a nenhum lugar.

E casas construídas para pessoas felizes,portanto vazias

Mesmo quando habitadas.

Também as casas do inferno não são todas feias

Mas a preocupacão de serem lançados na rua

Consome os moradortes das mansões nao menos que

Os moradores do barracos.

NA GUERRA MUITAS COISAS CRESCERÃO

Ficarão maiores

As propriedades dos que possuem

E a miséria dos que não possuem

As falas do guia*

E o silêncio dos guiados.

* FührerCOMO BEM SEI

Como bem sei

Os impuros viajam para o inferno

Através do céu inteiro.

São levados em carruagens transparentes:

Isto embaixo de vocês, lhe dizem

É o céu.

Eu sei que lhes dizem isso

Pois imagino

Que justamente entre eles

Há muitos que não o reconheceriam, pois eles

Precisamente

Imaginavam-no mais radiante

JAMAIS TE AMEI TANTO

Jamais te amei tanto, ma soeur

Como ao te deixar naquele pôr do sol

O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur

Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas

No Oeste.

Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur

Eu que brincava ao encontro do destino negro -

Enquanto os rostos atrás de mim lentamente

Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.

Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur

Jamais igual, antes ou depois -

É verdade que me ficaram apenas os pássaros

Que à noite sentem fome no negro céu.

A MINHA MÃE

Quando ela acabou, foi colocada na terra

Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...

Ela, leve, não fez pressão sobre a terra

Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!

TAMBÉM O CÉU

Também o céu às vezes desmorona

E as estrelas caem sobre a terra

Esmagando-a com todos nós.

Isto pode ser amanhã.

O NASCIDO DEPOIS

Eu confesso: eu

Não tenho esperança.

Os cegos falam de uma saída. Eu Vejo.

Após os erros terem sido usados

Como última companhia, à nossa frente

Senta-se o Nada.

EPÍSTOLA SOBRE O SUICÍDIO

Matar-se

É coisa banal.

Pode-se conversar com a lavadeira sobre isso.

Discutir com um amigo os prós e os contras.

Um certo pathos, que atrai

Deve ser evitado.

Embora isto não precise absolutamente ser um dogma.

Mas melhor me parece, porém

Uma pequena mentira como de costume:

Você está cheio de trocar a roupa de cama, ou melhor

Ainda:

Sua mulher foi infiel

(Isto funciona com aqueles que ficam surpresos com essas coisas

E não é muito impressionante)

De qualquer modo

Não deve parecer

Que a pessoa dava

Importância demais a si mesmo

UM HOMEM PESSIMISTA

Um homem pessimista

É tolerante.

Ele sabe deixar a fina cortesia desmanchar-se na língua

Quando um homem não espanca uma mulher

E o sacrifício de uma mulher que prepara café para seu amado

Com pernas brancas sob a camisa -

Isto o comove.

Os remorsos de um homem que

Vendeu o amigo

Abalam-no, a ele que conhece a frieza do mundo

E como é sábio

Falar alto e convencido

No meio da noite.

SOUBE

Soube que

Nas praças dizem de mim que durmo mal

Meus inimigos, dizem, já estão assentando casa

Minhas mulheres põem seus vestidos bons

Em minha ante-sala esperam pessoas

Conhecidas como amigas dos infelizes.

Logo

Ouvirão que não como mais

Mas uso novos ternos

Mas o pior é: eu mesmo

Observo que me tornei

Mais duro com as pessoas.

QUEM NÃO SABE DE AJUDA

Como pode a voz que vem das casas

Ser a da justiça

Se os pátios estão desabrigados?

Como pode não ser um embusteiro aquele que

Ensina os famintos outras coisas

Que não a maneira de abolir a fome?

Quem não dá o pão ao faminto

Quer a violência

Quem na canoa não tem

Lugar para os que se afogam

Não tem compaixão.

Quem não sabe de ajuda

Que cale.

ACREDITE APENAS

Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos

Ouvem!

Também não acredite no que seus olhos vêem e seus

Ouvidos ouvem!

Saiba também que não crer algo significa algo crer!

COM CUIDADO EXAMINO

Com cuidado examino

Meu plano: ele é

Grande, ele é

Irrealizável.

OS ESPERANÇOSOS

Pelo que esperam?

Que os surdos se deixem convencer

E que os insaciáveis

Lhes devolvam algo?

Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!

Por amizade

Os tigres convidarão

A lhes arrancarem os dentes!

É por isso que esperam!

NO SEGUNDO ANO DE MINHA FUGA

No segundo ano de minha fuga

Li em um jornal, em língua estrangeira

Que eu havia perdido minha cidadania.

Não fiquei triste nem alegre

Ao ver meu nome entre muitos outros

Bons e maus.

A sina dos que fugiam não me pareceu pior

Do que a sina dos que ficavam.

PARA LER DE MANHÃ E À NOITE

Aquele que amo

Disse-me

Que precisa de mim.

Por isso

Cuido de mim

Olho meu caminho

E receio ser morta

Por uma só gota de chuva.

DE QUE SERVE A BONDADE

1

De que serve a bondade

Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados

Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade

Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão

Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2

Em vez de serem apenas bons, esforcem-se

Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade

Ou melhor: que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres, esforcem-se

Para criar um estado de coisas que liberte a todos

E também o amor à liberdade

Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se

Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo

Um mau negócio.

A Cruz de Giz

Eu sou uma criada. Eu tive um romance

Com um homem que era da SA.

Um dia, antes de ir

Ele me mostrou, sorrindo, como fazem

Para pegar os insatisfeitos.

Com um giz tirado do bolso do casaco

Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.

Ele contou que assim, e vestido à paisana

anda pelas repartições do trabalho

Onde os empregados fazem fila e xingam

E xinga junto com eles, e fazendo isso

Em sinal de aprovação e solidariedade

Dá um tapinha nas costas do homem que xinga

E este, marcado com a cruz branca

é apanhado pela SA. Nós rimos com isso.

Andei com ele um ano, então descobri

Que ele havia retirado dinheiro

Da minha caderneta de poupança.

Havia dito que a guardaria para mim

Pois os tempos eram incertos.

Quando lhe tomei satisfações, ele jurou

Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso

Pôs a mão em meu ombro para me acalmar.

Eu corri, aterrorizada. Em casa

Olhei minhas costas no espelho, para ver

Se não havia uma cruz branca.

As margens

Do rio que tudo arrasta se

diz que é violento

Mas ninguém diz violentas as

margens que o comprimem

O Vosso tanque General, é um carro forte

Derruba uma floresta esmaga cem

Homens,

Mas tem um defeito

- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general

É poderoso:

Voa mais depressa que a tempestade

E transporta mais carga que um elefante

Mas tem um defeito

- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:

Sabe voar, e sabe matar

Mas tem um defeito-

Sabe pensar

O poema e a música muitas vezes refletem e exteriorizam sentimentos e pensamentos comuns em muitos.

O POVO AO PODER

Quando nas praças s'eleva

Do Povo a sublime voz...

Um raio ilumina a treva

O Cristo assombra o algoz...

Que o gigante da calçada

De pé sobre a barrica

Desgrenhado, enorme, nu

Em Roma é catão ou Mário,

É Jesus sobre o Cálvario,

É Garibaldi ou Kosshut.

A praça! A praça é do povo

Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade

Cria águias em seu calor!

Senhor!... pois quereis a praça?

Desgraçada a populaça

Só tem a rua seu...

Ninguém vos rouba os castelos

Tendes palácios tão belos...

Deixai a terra ao Anteu.

Na tortura, na fogueira...

Nas tocas da inquisição

Chiava o ferro na carne

Porém gritava a aflição.

Pois bem...nest'hora poluta

Nós bebemos a cicuta

Sufocados no estertor;

Deixai-nos soltar um grito

Que topando no infinito

Talvez desperte o Senhor.

A palavra! Vós roubais-la

Aos lábios da multidão

Dizeis, senhores, à lava

Que não rompa do vulcão.

Mas qu'infâmia! Ai, velha Roma,

Ai cidade de Vendoma,

Ai mundos de cem heróis,

Dizei, cidades de pedra,

Onde a liberdade medra

Do porvir aos arrebóis.

Dizei, quando a voz dos Gracos

Tapou a destra da lei?

Onde a toga tribunícia

Foi calcada aos pés do rei?

Fala, soberba Inglaterra,

Do sul ao teu pobre irmão;

Dos teus tribunos que é feito?

Tu guarda-os no largo peito

Não no lodo da prisão.

No entanto em sombras tremendas

Descansa extinta a nação

Fria e treda como o morto.

E vós, que sentis-lhes os pulso

Apenas tremer convulso

Nas extremas contorções...

Não deixais que o filho louco

Grite "oh! Mãe, descansa um pouco

Sobre os nossos corações".

Mas embalde... Que o direito

Não é pasto de punhal.

Nem a patas de cavalos

Se faz um crime legal...

Ah! Não há muitos setembros,

Da plebe doem os membros

No chicote do poder,

E o momento é malfadado

Quando o povo ensangüentado

Diz: já não posso sofrer.

Pois bem! Nós que caminhamos

Do futuro para a luz,

Nós que o Calvário escalamos

Levando nos ombros a cruz,

Que do presente no escuro

Só temos fé no futuro,

Como alvorada do bem,

Como Laocoonte esmagado

Morreremos coroado

Erguendo os olhos além.

Irmão da terra da América,

Filhos do solo da cruz,

Erguei as frontes altivas,

Bebei torrentes de luz...

Ai! Soberba populaça,

Dos nossos velhos Catões,

Lançai um protesto, ó povo,

Protesto que o mundo novo

Manda aos tronos e às nações.

Recife, 1864

__________________________

“A ROSA DE ASFALTO”

de Eduardo Alves da Costa (1936 – )

Somos a geração dos jovens iracundos,

a emergir como cactos de fúria

para mudar a face do tempo.

Antes de ferirmos a carne circundante,

comemos o pão amassado pelas botas

de muitos regimentos

e cozido ao fogo dos fornos crematórios.

Foram precisas inúmeras guerras,

para que trouxéssemos nos olhos

este anseio de feras acuadas.

Mordidos de obuses,

rasgados pelas cercas de arame farpado,

já não temos por escudo

a mentira e o medo.

Sem que os senhores do mundo suspeitassem,

cavamos galerias sob os escombros

e nos irmanamos nas catacumbas do ser.

Nossas mãos se uniram como pétalas

ao cerne da mesma angústia

e uma rosa de asfalto se ergueu

por sobre o horizonte.

E porque há entre nós

um mudo entendimento;

e porque nossos corações

transbordam como taças

nos festins da imaginação;

e porque nossa vontade de gritar é tamanha

que se nos amordaçassem a boca

nosso crânio se fenderia,

não nos deterão!

Ainda que nos ameacem com suas armas sutis,

nós os enfrentaremos,

num derradeiro esplendor.

Em breve, a nota mais aguda

quebrará o instante.

Bateremos com violência contra as portas,

até que a cidade desperte;

e com o riso mais puro,

anunciaremos o advento do Homem.

Porque nossas mãos se uniram como pétalas

ao cerne da mesma angústia,

para que uma rosa de asfalto se erguesse

por sobre o horizonte.

* * * * *

“No Caminho Com Maiakóvski”

http://on.fb.me/125qI7A

Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas manhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne aparecer no balcão.

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita – MENTIRA!

* * * * *

“Não Te Rendas Jamais”

Procura acrescentar um côvado

à tua altura. Que o mundo está

à míngua de valores

e um homem de estatura justifica

a existência de um milhão de pigmeus

a navegar na rota previsível

entre a impostura e a mesquinhez

dos filisteus. Ergue-te desse oceano

que dócil se derrama sobre a areia

e busca as profundezas, o tumulto

do sangue a irromper na veia

contra os diques do cinismo

e os rochedos de torpezas

que as nações antepõem a seus rebeldes.

Não te rendas jamais, nunca te entregues,

foge das redes, expande teu destino.

E caso fiques tão só que nem mesmo um cão

venha te lamber a mão,

atira-te contra as escarpas

de tua angústia e explode

em grito, em raiva, em pranto.

Porque desse teu gesto

há de nascer o Espanto.

* * * * *

“A Cama de Pregos”

Tenho o corpo varado de angústias

e não encontro posição de repouso.

Porque aos de minha geração

foi dado existir numa cama de pregos,

entre o espasmo e o grito,

antes da primeira frase de fazer orvalho

contra as paredes da cela.

Não há possibilidade de fuga

para nosso instinto.

Querem que o sexo floresça e murche

em nossas próprias mãos;

ou que o orgasmo seja catalogado

e obedeça aos trâmites legais.

Não há caminho que nos leve à amada.

Todos os corredores conduzem ao vestíbulo,

onde uma enfermeira nos agarra

e nos faz preencher um questionário.

Esconderam as fêmeas em arcas de veludo

e nos iludem o apetite

com mulheres da vida,

com cineminhas mambembes

e filmes de sacanagem.

Mas isto não nos basta,

é preciso um espaço infinito

para nos fazermos ao largo,

como jovens leões que se lançam à planície.

Ah, visões de antigos dias,

farândolas de faunos,

virgens consumidas,

olhos de cíclopes aguardando as madrugadas!

Não haverá nesta cidade uma única mulher

verdadeiramente no cio?

Quero agitá-la como uma bandeira

entre as estrelas

e vê-la tombar,

com a face tranquila.

Sim, deliro,

estamos todos loucos,

nossa energia se dissipa

à beira do caos e do copo.

E contudo é preciso utilizar de alguma forma

esta convulsão incontida.

Mesmo que tudo termine

na cama de pregos,

seguros pela enfermeira

e cheirando clorofórmio.

Não, por Deus,

não me façam uma incisão no crânio.

Eu sei que estou preso num pálacio de espelhos

e é preciso quebrar tudo!

* * * * *

“Salamargo”

Salamargo é o pão de cada dia;

pão de suor, amargonia.

Amargura por viver nesta agonia,

salamargando a tirania.

Salamargo é o tirano, segundo a segundo

amargo sal que salga o mundo.

Assassino das manhãs, carrasco das tardes,

ladrão de todas as noites

e de seu mistério profundo;

carcereiro de seu irmão, a transmudar

a fantasia em noite de alcatrão.

Amargo é fado de nascer escravo,

amargonauta em mar de sal,

nesta salsa-ardente irreal em que cravo

unhas e dentes, buscando viver

como um bravo entre decadentes.

Salamargo, tão amargo quanto

o mais amargo sal, é comer

o pão de cada dia sob o tacão

da tirania. Um pão amargo,

sem sal, pobre de amor e fantasia.

Salamargo existir sem poesia.

EDUARDO ALVES DA COSTA

In: “No Caminho Com Maiakóvski – Poesia Reunida”

(Ed. Geração Editorial, 1 ed., 2003)

__________________________

EU NÃO ME CALO

É isso que explica a evolução poética de Pablo Neruda, o maior poeta chileno e um dos maiores da Literatura universal. Do lirismo de “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada” aos versos combatentes de “Espanha no Coração” e “Canto Geral”.

Ele não nasceu com o nome com o qual se consagrou, e sim como Neftali Ricardo Reyes Basoalto. Não era um nome poético, não gostava. Ainda na adolescência, adotou o pseudônimo de Pablo Neruda (referência ao escritor checo Jan Neruda, que apreciava), oficializando-o depois mediante ação judicial.

Neruda veio ao mundo na localidade de Parral, em 12 de julho de 1904. Seu pai era o operário ferroviário José Del Carmen Reyes Morales. Sua mãe, Rosa Basoalto Opazo, professora primária, morreu quando ele tinha apenas um ano de vida. A mãe que conheceu foi Trinidade Candia Marverde, a segunda esposa de José Reyes, a quem chamava de “Mamadre”,

Recebeu o primeiro prêmio aos quinze anos. Em 1921, a família se mudou para Santiago, onde estudou Pedagogia na Universidade do Chile e seguiu ganhando prêmios com suas poesias. “Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada” é publicado em 1923, um sucesso de público e crítica.

Diplomacia e Militância Política

Ingressou na carreira diplomática em 1927, atuando em vários países. Despertou para a militância política no ano de 1936, lutando contra o franquismo na Espanha ao lado do amigo e magnífico poeta Federico García Lorca, assassinado pelos fascistas em agosto daquele ano. Então a ternura deu lugar ao combate, pois a poesia, como disse Jorge Amado, “pode ferir como bala de fuzil”. Neruda escreveu Espanha no Coração. Perdeu o cargo e abandonou a carreira diplomática.

Em 1945, ingressou no Partido Comunista do Chile; foi eleito senador em 1948; teve o mandato cassado e ingressou na clandestinidade. Exilou-se, andou por diversos países, escrevendo no México Canto Geral, que retrata a luta, a vida, o sentimento dos povos da América Latina.

De volta ao Chile, o PC o indicou como candidato à Presidência da República, mas ele não aceitou, defendendo o apoio a Salvador Allende, eleito em 1970 por uma ampla Frente Popular. (Sobre Salvador Allende, leia A Verdade, nº96). Apoiou Allende até o fim, que se deu com o golpe de Estado que implantou uma longa noite de terror e agonia sobre o Chile (1973-1990). Em 1971, Neruda recebera o Prêmio Nobel de Literatura.

Suspeita de assassinato

Doze dias após o golpe, morria Pablo Neruda, pois sua voz não se calou. Continua emocionando e incentivando os lutadores do povo. Os legistas diagnosticaram o câncer como causa mortis. Sua esposa, Matilde Urrutia, disse que o poeta “morreu de tristeza”. A tristeza de presenciar o enterro da democracia, a morte de seus amigos Salvador Allende e Victor Jara, célebre cantor e compositor, que transformava em música a vida e a luta dos trabalhadores, do povo do Chile.

É fato que o poeta sofria de câncer na próstata, mas seu médico havia garantido que ele ainda viveria ainda de cinco a seis anos. Pessoas que assistiram à sua internação na Clínica Santa Maria, em Santiago, testemunharam que ele não parecia um doente terminal; apenas estava muito nervoso. Aplicaram-lhe um calmante e nunca mais o poeta acordou.

O motorista do casal Neruda, Manuel Arraya, assegura que era bom o estado de saúde do poeta. Ele até se preparava para uma viagem ao México, onde falaria sobre a situação política do Chile. Conta Arraya que Neruda vinha recebendo telefonemas ameaçadores e, logo após sua morte, a residência, em Isla Negra, foi totalmente saqueada.

Diante das evidências, o juiz Mário Carroza reabriu a investigação e determinou a exumação dos restos mortais do poeta, que se encontram em sua casa na Isla Negra, onde funciona um museu em homenagem a sua vida e obra. Os resultados deverão ser divulgados por ocasião dos 40 anos do golpe, que se completam a 11 de setembro próximo.

Poesia Perigosa

É muito provável que a mão que torturou e mutilou Victor Jara para calar sua voz e os acordes do seu violão também tenham silenciado o poeta, pois, como ele mesmo dissera, “o poeta que sabe chamar o pão de pão e o vinho de vinho é perigoso para o agonizante capitalismo” (Confesso que Vivi).

Eu não me calo.

Eu preconizo um amor inexorável.

E não me importa pessoa nem cão:

Só o povo me é considerável,

Só a pátria é minha condição.

Povo e pátria manejam meu cuidado,

Pátria e povo destinam meus deveres

E se logram matar o revoltado

Pelo povo, é minha Pátria quem morre.

É esse meu temor e minha agonia.

Por isso no combate ninguém espere

Que se quede sem voz minha poesia.

(Neruda, 1980)

Pablo Neruda: A meu Partido

Me deste a fraternidade para o que não conheço. Me acrescentaste a força de todos os que vivem. Me tornaste a dar a pátria como em um nascimento. Me deste a liberdade que não tem o solitário. Me ensinaste a acender a bondade, como o fogo. Me deste a retidão que necessita a árvore. Me ensinaste a ver a unidade e a diferença dos homens. Me mostraste como a dor de um ser morreu na vitória de todos. Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos. Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha. Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético. Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria. Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo.

Serpente Angel
Enviado por Serpente Angel em 27/10/2019
Reeditado em 27/10/2019
Código do texto: T6780340
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.