FRAGMENTOS

Um transeunte perguntou ao moribundo

Como é ser cidadão do mundo.

O homem, em situação de rua, devolveu pergunta crua.

Como é ser gente nua?

Em outro ponto um sujeito paciente aguardava coletivo, em solidão apenas sua.

Consolou-se ao lembrar que logo seria passageiro.

Buscava a direção de um hospital.

No contexto, sentia-se mal.

Entristeceu ao lembrar que, depois de passageiro, voltaria a ser paciente. Provavelmente impaciente.

E queria apenas ser gente.

A caminho da universidade, uma outra se vestia de estudante.

Mas lograva, em qualquer parte, ser pensante.

Houve quem dissesse que deveria ser dona de casa.

Ouviu a dica, tornando-se proprietária de imóveis.

Seguiram decupando o ser humano.

Tudo parte de um plano.

Quanto mais fragmentado, mais engano.

Homem, mulher, criança, jovem, adulto, ancião.

Usuário, cliente, contribuinte, cidadão.

Ouvinte. Pedinte.

Eleitor, telespectador.

Corpo na cena do crime, cabeça do movimento, membro da organização de ombro, joelho e pé.

Um a menos pra economia.

Se tivesse saúde, mais valia.

Segurado, beneficiário, terciário.

Aprovar o bem, sempre olhando a quem.

Fiel, na igreja ou no futebol.

O importante é estar ao sol.

E se quiser pescar, sempre é tempo.

Procure o rio de lama, o mar de preto óleo, a lagoa "esgotada".

Dê um jeito.

Construa o seu anzol.