DOS HOMENS

DOS HOMENS

"Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum".

REPÚBLICA FRANCESA in Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos

Desde que os homens andam pelo mundo,

Há quem ordene e quem seja ordenado.

Pôr em ordem é o hábito fecundo

De nós, frágeis bípedes, p'lo brado

Que ecoando nas centúrias, iracundo,

Nos fez povos ao havermos lado a lado

Seguidores d'uma única vontade,

Onde muitos sob mesma potestade.

Com efeito viver em coletivos

Tem permitido aos homens muito mais

Do que como se meros seres vivos

Vivessem como vivem seus iguais:

Escolhem d'entre si os mais altivos

E d'eles fazem entes divinais

Que reinem sobre todos afinal,

Embora para o bem ou para o mal...

Assim, quando a verdade se faz crença

Haver ou não haver já não importa.

Sem que grandes luzes os convença

Mediante uma esperança natimorta,

Se identifiquem pela diferença!

A fé na eternidade os reconforta,

Enquanto se resignam nas misérias

E desdenham do corpo as vis matérias.

Muitos pela violência de seus feitos

Lograram ter o mando de milhares

Postos em avanguardas, contrafeitos,

Ou pagando tributos seculares.

Os que pela Fortuna eram eleitos,

Dominando pessoas e lugares,

Usavam do Poder com liberdade

E depois o deixavam como herdade.

Exibiam-se ornados por coroas

Em face de vassalos humilhados

Exigindo cobrirem-no de loas,

Tanto seus actos certos como errados.

Por fim, eles dispunham das pessoas

Como se actores sobre vãos tablados

Onde todos, por cálculo ou capricho,

Seguem alheio texto ou vão cochicho...

Qualquer ordem fundada no divino

Ao querer reinar n'este e n'outro mundo

É Poder que absoluto e ladino

Governa tudo e todos sem segundo.

Decerto é alheamento tão malino

Mais faz, do nascituro ao moribundo,

Quem confundindo trono com altar

Tão-só obedecer, não cooperar.

A Realeza, a suprema distinção,

Ao revestir de Deus a monarquia

Impõe a Ordem Social por submissão

Que usualmente descamba em Tirania.

Mas súbdito se torne cidadão

Quando indivíduos contra a fidalguia:

Escravos são tão-só de seus abdômens,

Nunca d'homens mais homens do que os homens!

Pirâmides, porém, são construídas

Em cada sociedade pelas moedas...

São riquezas quem rege nossas vidas,

E atravessa às Nações em suas quedas

Para além das verdades conhecidas

Entre revoluções e labaredas:

Sob a mão invisível do Mercado

É que se ordena o povo sob o Estado.

Portanto, seja livre embora pobre

A base da magnífica arquitetura

Que s'ergue diariamente d'ouro e cobre

E adquire, indiferente, mais altura.

Até que essa excessiva carga sobre

Solape a metafórica estrutura

Co'o rearranjo das bases e dos cumes

Para com novos pares, novos numes...

Haverá verdadeira Liberdade

Aos homens que se iludem pelo engano?

Quando entenderão que na Igualdade

Se livram de qualquer divino plano?

Que apenas com fraterna humanidade

A união que dá força ao ser humano

Transforme sua acção em meio a História

Sem deuses nem heróis em sua glória!

Dos homens, o que s'espera é consciência.

Já basta de inverdades convenientes

E de belas mentiras p'la existência --

Explicações covardes; coniventes --

Submetam realidades à Ciência,

Jamais a outros achismos complacentes.

De modo que, também por discordância,

Se possa argumentar com tolerância.

Sejam, deveras, livres porque iguais.

Não escravos de suas diferenças,

Que só faz com que queiram mais e mais

Em lugar de sanarem desavenças

Ou rastejando em busca dos ideais

Se percam de presentes e presenças

Por futuros pretéritos perfeitos

Entre sós labirintos de conceitos.

Essa Ordem capaz de nos reunir

É a força e a fraqueza das pessoas:

Juntos, os homens devem discernir

E haver coisas tão úteis quanto boas.

Ou senão, como impérios a decair,

Mais combater por cruzes ou coroas...

Regras haja a ordenar como vivemos

E impedir que uns aos outros nos matemos!

Poderes são por homens exercidos

E devem, para o bem da Humanidade,

Por concordância às regras submetidos

E nunca por temor à potestade.

Aqueles que governam, escolhidos,

Jamais se arvorem outra qualidade

Senão servir a todos igualmente,

Dando lugar no tempo competente.

Queiram os homens ter por objetivo

O próprio bem-estar tido em comum.

Que o anseio d’haver-se são e vivo

Não faça negar vida a sequer um.

Ao contrário, se mostre compassivo

Inclinando-se sem desdém nenhum:

Conviver é o chamado mais profundo

Desde que os homens andam pelo mundo...

Belo Horizonte - 30 08 2019