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Passando por um Menino de Rua

reconheci-me em sua face.

Lembrei fazer-lhe um poema

dando-lhe um nome novo

e tirando-lhe a rua como sobrenome.

Em casa, acossado pela urgência da dor

pelejei contra os donos das ruas

e deitei numa folha

ainda desarranjados

versos que mudavam o mundo!

Emocionado, lembrei o Menino de Rua.

E, poeticamente, o versejei:

vesti-lhe de cuidados

calcei-lhe os pés com esperança

o banhei com olhar generoso

e o cobri com minha segurança

Terminado o poema, eu chorei!

Abri a janela e olhei para fora

e vi que o mundo

alheio a mim

permanecia igual

mas, eu não!

Versos rebeldes na ponta da língua

expressei-me como um profeta

dei a conhecer a minha visão

e anunciei um mundo novo.

Declamei-o no meio da rua

na mesma onde estava o menino

quando outro dia passei

e lembrei não saber o seu nome.

Sozinho, diante da criança

escutei o silêncio dos adultos

e, dos indiferentes, a voz altiva.

Ao lado daquele menino

que, de mãos estendidas,

prestava atenção

dei-lhe o poema de presente

e recebi, num gesto desconcertante

o sorriso mais revolucionário

de que se tinha notícia

pois era luz em meio à escuridão

e esperança em meio ao desespero.

Um sorriso-discurso:

eloquente em sua acusação

poderoso em sua defesa

e completo ao falar de si.

Lembrou-me que um artista

é também um combatente

que maneja sua arma-palavra

com munições de poesia

alimentados por sonhos e quimeras

atormentados por ilusões e utopias.

Lembrou-me, o sorriso do menino

que versos mudam o mundo

como guerras e revoluções

e se não o fazem

como o estrondo de uma bomba

ou com a violência de um fuzil

o fazem como os vermes das horas mortas

que, agindo nas entranhas dos indivíduos

os transformam em seres de outro mundo

já que morreram para este, respirando ou não.

E foi então que entendi

que o poema que lembrei escrever

já estava posto na face no menino

em forma de abandono e exploração

com letras que não eram suas

nem de seus pais

mas, como tatuagem

insistiam em nomear a sua vida

e sobrenomear a sua dor

pois, como sabemos

nomear é gerar vida

e sobrenomear é dar sentido a ela.

E, não sem razão,

foi que o Menino de Rua

Revelando-me seu nome

obrigou-me, por vergonha e humildade

a deixar este poema sem título

já que, sendo honesto consigo mesmo

nenhum poeta é capaz

de grafar ou desenhar

com a verdade e a intensidade necessárias

as letras que compõem

o nome feio da injustiça.

Outro dia, ao passar por uma rua

vi um menino que ali dormia

e lembrei mudar este mundo!

Fabio Ferreira S
Enviado por Fabio Ferreira S em 17/08/2019
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