multidão

o que fazer

com esta minha cordialidade

que não sabe pegar em armas

nem que pela liberdade?

o que fazer

com esta dita urbanidade

que não sabe revoltar-se, indignar-se

com tanta cotidiana iniquidade

já por todos e tolos

tida como normalidade?

o que fazer

com meu íntimo intimidado

que acostumou-se com a vergonha

já não sabe o que é honra

dignidade, honestidade

são-me estranhas como a verdade?

o que fazer

se o rádio, os jornais, a tv

e a tela por todos vista e que tudo vê

repetem que tudo que sonhamos

e um dia acreditamos

foi um logro e uma farra

de descarados velhacos?

o que fazer

se quando me aquieto e reflito

longe das marteladas falácias da mídia

minha consciência teima em dizer

que logro, rapina e hipocrisia

é o que estamos agora a viver?

diante de tantas vezes

perguntar-me o que fazer

a resposta parece

querer deixar-se antever

ela sussurra-me o óbvio

que custo querer crer

aquilo que desde toda história

já se deveria saber:

um sozinho é fraco

uns poucos têm parca força

a multidão revoltada,

ela tem o poder

Publicado no livro "Coice de mula" (2018)).