SOL & CONTEMPLAÇÃO
Imitarei o sol,
Que dá licença para as vulgares e licenciosas nuvens
Eclipsarem sua beleza para o mundo,
E que, quando deseja de novo ser si mesmo,
Sendo por todos ansiado, é ainda mais festejado
Ao romper por entre o feio e sórdido véu
De vapores que pareciam ter seus raios estrangulado.
Se o ano todo fossem rejubilantes feriados,
Recrear-se seria tedioso como trabalhar;
Mas quando eles vêm raro, são bastante esperados,
E acolhidos como dádiva oportuna.
É assim então que,
Quando eu deitar de lado a folga,
Deixando de ser sempre folgado,
Pagando de modo inesperado
A dívida da qual era o tributário,
Quão melhor não me mostrarei
Que meu próprio hábito,
Tanto me esforcei para frustrar expectativas!
E como metal brilhante em solo esquálido,
Minha redenção, contrastando com minhas faltas,
Parecerá ’inda melhor e atrairá muito mais fãs
Que as qualidades constantes, sem máscara.
Ofenderei os olhos e o tato com cuidado
Par’enfim converter a ofensa em agrado,
Recuperando o que já davam por perdido.
(Tradução do monólogo do Príncipe Henrique, no final da CENA II, PRIMEIRO ATO de HENRY IV, First Part.)