FILHAS
Lilian Maial


Os risos dos homens
nas entranhas dos que têm fome.
Os não olhares,
flagelos na pele da infância.
Como é doce brincar de irmãs
e dividir o último pedaço!

Um tímido dourado na nudez da tarde
anuncia que a noite é próxima
e o medo é pérfido.
Ah! A turgência das ruas!
A fulgência das duas...

Meninas ainda
com seus fardos.
Os bolsos vazios,
Os olhos vazios,
Os dias vazios.

O asfalto quente
canta pneus desafinados.
Há pássaros e cães perdidos.
Tanta gente, vozes e nãos. ..

É hora de voltar para casa
sem paredes,
nem parentes.
Dormir de vigília,
ouvir os risos e os borborigmos.
O bucho inchado de vento.

Na coberta de jornal,
um poema toca o colo,
aquela letra espeta a mão.
Mastigar uns versos e engolir a dor.

E passam os homens com seus desolhares.
Não veem os sonhos com luas
e seus namorados,
meninos que cheiravam cola
e sugavam pequenos seios magros.

Logo vem a aurora
- essa moça ciumenta -
rouba os garotos
e seus sonhos magros.

Novos risos da manhã.
Há que catar pedaços de pão
para dividir.

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