Marias
E agora, Maria?
A vida acabou,
esperança apagou
o culpado sumiu,
seu corpo esfriou.
E agora, Maria?
E agora, você?
Você que era tantas,
você que era verso,
esqueceu seu universo,
e agora, Maria?
Aqui jaz sem vida
morreu teu discurso,
não podes sentir,
te ser já não podes,
liberdade te escorre entre dedos
e agora, Maria?
E agora, Maria?
Sua lenta entrega,
seu momento de dúvida,
sua essência acossada
a existência esquecida,
seu engano - e agora, Maria?
Com a alma em voo
quer o corpo de volta,
não existe corpo
quer o tempo precioso,
não existe tempo
quer curar as feridas,
já não faz mais sentido.
Maria, e agora?
Se você percebesse,
se você resistisse,
se você aceitasse,
se você se calasse,
se você ficasse,
se você fugisse,
se você não teimasse, Maria!
Se você debatesse,
se você procurasse a polícia,
se você enfrentasse sozinha,
se não fosse desajuizada, Maria!
Se você não cedesse tanto,
Se não fosse um incômodo,
se você pensasse nos filhos,
se você se entregasse à família,
se você não fosse por ali,
se fosse por aqui,
se não usasse essas roupas, Maria!
Ah, mas você não percebe,
você quase não vê, Maria
que essa culpa não é sua!
sozinha no escuro,
você desprendeu dessa marcha.
E a nós que ficamos,
e nós que seguimos -
para onde, Marias?
Eva Vilma, releitura escorrida entre lágrimas (com o universo feminino gritando voz própria), do poema "José" de Carlos Drummond de Andrade.