VIVENDO UM CONTO ENFADONHO

Era mais um rosto inocente

No meio de outros tantos igualmente

Que quase se confundia.

Brincando no pátio da escola

De amarelinha ou de jogar bola

Com as outras crianças se parecia.

Mas ela tinha um segredo

Que trazia bem escondido

Para ninguém desconfiar.

Pois temia pela vida

De sua mãezinha querida

Se acaso resolvesse falar.

Mas o segredo a matava

Pois quando a porta se fechava

Do seu quarto de dormir,

O homem que a mamãe amava,

Toda a noite ali entrava

E a obrigava a mentir.

E a menina morrendo de medo

Guardava tudo em segredo

O abuso, a vergonha, a dor.

Porque a mamãe lhe dizia: “seja boazinha

Esse homem é bom conosco, filhinha

E cuida de você com amor”.

Então, ela sentia-se culpada

Com a alma tão machucada

Afinal, que egoísmo o seu esperar

Que a mãe que chegava cansada

Contasse-lhe um conto de fada,

Ou cantasse uma canção de ninar.

Tinha mais era que agradecer

Por ter onde dormir e o que comer

O resto é capricho de criança mimada.

E a cada manhã, de cada novo dia

Era mais um sonho que nela morria

Por trás de um sorriso triste, sem cor.

Qualquer um que lhe desse importância

Veria que atrás do sorriso, morria a infância

Tolhida pela impunidade de um agressor.