INFÂNCIA ROUBADA
Ela brincava nas tardes
Livre a correr pelos parques
Tenra flor ainda em botão
Cabelos soltos ao vento
Sorriso estampado no rosto
Um mundo de possibilidades ao alcance das mãos.
Seu jeito brejeiro de menina faceira
Chamava a atenção
Uns a admiravam
Outros a cobiçavam
E ela inocente não sabia o que dizer
Alguém lhe disse: deixe de tolice
Você é tão linda! Não há o que temer.
Ela bem queria falar
Contar para alguém; se aconselhar
Mas a mãe estava ocupada
O pai na cadeia
A mãe desesperada
Eram tantos filhos pra criar.
“você é a mais velha
De uma fileira
Chega de brincadeira
Tá na hora de criar ideia
Você precisa colaborar.
Hoje você não vai para a escola
Vai para a rua pedir esmola
Precisamos comprar leite e pão."
E lá se foi a menina pra rua
Com o corpo malvestido e a alma nua
Onde alguém lhe dizia: “E então?
Resolveu aceitar minha oferta?
Pode crer, é a coisa mais certa
Vou te apresentar uns amigos bacanas
Que vão resolver teu problema de grana
Você só precisa prestar uns favores
Afinal, nem tudo na vida são flores".
Resignada ao destino, perdeu a dignidade
Perdeu muito mais, perdeu a identidade
Já não é mais menina, ainda não é mulher
Perdeu a inocência em uma esquina qualquer
Seus sonhos desfolhados pelos becos da vida
Se transformaram em pedras, espinhos feridas
A mãe vê a menina pra casa voltar
Com o corpo marcado a alma doída
Mas a refeição do dia está garantida
O resto é bobagem, ela há de superar.