Elegia aos homens solitários
Um indivíduo, de braços
cruzados, olha mansamente
os acontecimentos;
parece em expectativa,
entre os dias que passam.
É um homem mais ou menos
alto, de uma pele branco-
escura, que olha
demoradamente para
os acontecimentos.
Sua rebeldia, intacta e
serena, contradiz
as labaredas em seus
olhos mortiços.
Seria um anjo caído, à
espera de redenção?
E os transeuntes não conhecem
dessas coisas, por isso
seguem sem dá maior atenção.
Enquanto isso, do outro
lado, as sombras continuam,
sem algo de concreto para
produzi-las.
Sombras sem aspectos físicos,
sob qualquer luz.
Há um nicho de ideias
incompletas nisso tudo,
que ninguém consegue compreender;
fantasiosas na maioria das vezes,
que apenas aparecem,
depois somem
entre palavras gastas e
intenções sem culpa.
Com um sorriso estridente
e olhos raivosos,
um indivíduo está de pé, com
os braços cruzados,
vislumbrando poças na rua
e o começo da chuva.
Surpreende a todos com
um gesto leve e imperceptível,
um quase-movimento,
que abala a estrutura
dos prédios e faz com que algumas
folhas despenquem da
árvore próxima.
Um homem que cria e recria
sua postura estática,
fazendo de tudo, parado
e em silêncio, para ser visto
pelos passantes.
Mas apenas os satélites o
descobrem, analisam
imagens, não há registros...
Todas as forças públicas,
nacionais e internacionais,
procuram extenuadamente
e nada encontram.
Nomes ou digitais,
apenas menções de possíveis
identidades falsas.
Um americano, parado
em qualquer lugar do mundo,
não desperta suspeitas,
mas ele não é americano
(pelo menos não consta
do banco de dados).
Os espelhos dos carros
não refletem sua imagem;
antes, prováveis formas,
que seriam de outras pessoas.
Ele se parece com um forasteiro
numa cidade sem nome;
uma cidade fantasma,
num país de terceiro mundo.
Um lugar imaginado por
poetas e escritores,
que é perfeita até nos defeitos,
que apresenta todos os pormenores.
Ele é, antes de mais nada,
um homem às avessas,
com luz por dentro
e trevas por fora;
um, entre tantos, que está
parado porque cansou;
que sorri por covardia;
que não chora nem para
acalentar a alma;
que está desvinculado de
qualquer partido.
Um, que está de pé porque
não quer ir ao chão;
que assiste a tudo e de nada
faz parte.
Sob a guarda do tempo,
contando coisas à memória
e esperando a chuva passar.
Um homem com os olhos
tão grandes, deveria enxergar
melhor;
com uma boca tão grande,
deveria ter o que comer;
deveria saber falar por si.
Mas um indivíduo assim,
parado às margens da rua,
é sempre suspeito;
mesmo que seu coração
esteja audível a quem passa,
e que toda sua morbidez
e tristeza (e aparente maldade)
sejam apenas resposta
à podridão do tráfego.
Não há como fugir ao estigma
da solidão.
Um homem só, em qualquer
lugar do mundo,
é sempre culpado
de toda falta de diálogo,
de quem está em casa
esperando, dos amigos
que bebem alegremente
num bar de esquina,
da parceira de dança,
que agora está dançando
só, das insistentes lembranças
que a realidade não completa,
do poema que nunca passa
de uma prosa mesquinha.
Esse indivíduo, parado e só,
com olhos de sono, em
completo silêncio, no que
será que ele pensa?