O milagre do nascimento
Seus olhos me fitam
E eu, em retribuição, fito os seus
Vejo-a sofrendo, colocando esta vida para fora
Já vejo a cabeça suja de sangue uterino aparecendo
Só falta mais um pouco querida, eis o que a digo
Faça um pouco mais de força
A enfermeira me olha, um brilho de desesperança
Os gritos da mulher parindo me desorienta
Olho para o teto azul-piscina
Ficaria melhor pintado de branco, penso eu
Adoro a cor branca. Sinto paz quando a vejo.
Volto a olhá-la
O sangue espalhara-se por todo o lençol
Manchara o impecável lençol branco de antes
O bebê finalmente saíra por completo
Nenhum choro, isso é estranho, penso eu.
Corto o cordão umbilical e pego-o no colo. Está morto.
A enfermeira me olha com estranha tristeza
A mulher grita desoladamente.
Não há mais o que fazer, penso eu.
Jogo o corpo da criança morta na lata de lixo ao lado da cama.
Guardo o cordão umbilical em uma pequena sacola
O jantar hoje vai ser um tanto extravagante hoje
Molho a mão na poça de sangue a passo a língua sobre o líquido
Ainda está fresco, o lençol pode ficar limpo, digo eu.
Puxo ele com toda a força e saio da sala.
Não há nada como fazer a sua parte em um dia estressante de trabalho.