A Senha de Cleide

Canal do Vieira, Afuá, 8 de junho de 2018.

Cleide lia sua senha

era enfim sua vez

a bebê seguiu mamando

enquanto ouviu a voz

"Cleide, você é de onde?

Me diz afinal te escondes?

Quem são ou eram seus pais ?

Tu és de guerra ou de paz?

A rasa te dá pra viver?

Quantos rebentos querer?

Qual o CPF teu e da criança?

Teu RG te dá esperança?

Tua roupa é tão velhinha

tá dizendo que vive na linha?

Essa sandália qual marca que é?

Eu te ignoro pois nem cuida do pé

ainda não acredito que mulher da terra

fala a verdade Cleide

tu com essa cara boba

me diz que depende de mim?"

Cleide Via o formulário

não conseguia entender

e a bebê mamando

trocou pro outro peito

"Cleide qual sua renda?

Da banana quanto é tua venda?

Me informa a tua idade

não do rosto mas a de verdade

se tua casa tem quatro paredes

quantos dormem na mesma rede?

Não afinal gente de bem?

Fala pra mim

só pra mim Cleide

tu precisas de mim?"

Cleide pegou a caneta

com o bebê no braço

desenhou o seu nome

Cleide dos Santos Dor Arte

"Cleide cadê teu marido?

Teu rabisco reconhecido?

Tua bolsa foi negada?

Tua terra questionada?

Como não tens advogado?

Vai pra capital

nem que seja a nado

mas compra uma roupa nova

daquela lá no shopping

fala a verdade Cleide

só eu saberei

tu vais depender de mim?"

Cleide então se levantou

com a bebê no colo

olhou para o atendente

e disse: "da próxima vez não choro".

"Nunca mais chorarei".