Todas as faces de uma poesia anacrônica

De qual poesia estamos falando?

Da sua, da minha ou da de Drummond?

A qual classe social pertence os teus versos?

Pois se falas de um sobrado com vistas para o mar,

a poesia é uma.

Se falas de um puxadinho a beira córrego,

a poesia é outra.

Se escutas o estampido seco dos disparos ao longe,

mas não vês a cor do sangue que pinta a calçada de vermelho

e o choro triste da mãe que escorre em silêncio de seus olhos avermelhados

e envolve o corpo morto de seu filho, ainda (adolescente), caído na sarjeta

a poesia pode até te dizer algo, talvez, não te diga tudo.

E o mais provável é que não te diga mesmo tudo!

Mas dirá algo com toda certeza.

Mesmo que pense, (in)conscientemente, não ter mais nada a ser visto.

Se não vês o sangue urdir a tua consciência

e tomar-te de indignação por completo

de certo, talvez até critiques o que lê.

Pois não sabes de que poesia se está falando.

Não sabes de qual estética poética falo

e eu de certo, na mesma medida que ti,

não faço ideia de que versos você se veste

quando investe sua ira contra mim.

De quem é a poesia?

De quem a escreve,

de quem a lê,

de quem?

Dizem que a poesia não tem classe social, gênero, cor, raça, etnia, religião...

Tudo mentira!

A poesia é pretensiosa, escolhe e se faz escolher, manipula.

A poesia se disfarça e se versa em faces diversas,

só para manter o disfarce, da grande farsa que somos todos iguais.

Inclusive quando escrevemos versos.

Eu minto, tu mentes, ele mente...

Drummond, não.