Favela flutuante
Catam nos cortiços e becos
quem de alma, e copos secos
fizeram da Cidade Encantada
réstia daquela pátria amada
Agora em destino inverso
sem a rima, um batel disperso,
entrincheirados fez-se distante
reeditando Espumas Flutuantes
Sem velas, bússola ou pergaminho
já conheciam de sobra o caminho
deixava o Corcovado o cargueiro
Fênix, renascendo o Navio Negreiro
Coador de gente, pífia bateia
peneira de lobos, na alcatéia
purgando, com turva demência
para usar como lastro a violência
Quem levou a fome para as encostas?
quem encheu de sangue, pratos vazios?
diga quem às cabras deu as costas
quem fez do morro terreno baldio?
Sim, o crime vai singrar os mares
de volta ao Continente Negro
sentença dada a todos os pesares
por juízes também vestidos de negro
Massa da tragédia, de trágica receita
balas de armas, com ódio a gosto
vidas, que em morte nascem desfeitas
ceifam vidas, semeado desgosto
Contem poetas, risquem o papel
quem compra passagem neste batel?
quem agora com a cana se deleita?
sumo de fel, amarga colheita
Passageiros da primeira viagem
pés se tocando, tilintar das senzalas
futuro de passos, com pés em grilhagem
sem berço, sem cantiga que embala
Quem fez do homem, um morro violento?
quem fez do homem, esse homem?
Deus, quem montou esse tormento?
quem ao fim da prece disse amém?
Lotado o batel, botaram todos no barco
a singrar mares um bote da salvação
carga: favelados de futuro parco
ficou para trás, o mentor da criação