Favela flutuante

Catam nos cortiços e becos

quem de alma, e copos secos

fizeram da Cidade Encantada

réstia daquela pátria amada

Agora em destino inverso

sem a rima, um batel disperso,

entrincheirados fez-se distante

reeditando Espumas Flutuantes

Sem velas, bússola ou pergaminho

já conheciam de sobra o caminho

deixava o Corcovado o cargueiro

Fênix, renascendo o Navio Negreiro

Coador de gente, pífia bateia

peneira de lobos, na alcatéia

purgando, com turva demência

para usar como lastro a violência

Quem levou a fome para as encostas?

quem encheu de sangue, pratos vazios?

diga quem às cabras deu as costas

quem fez do morro terreno baldio?

Sim, o crime vai singrar os mares

de volta ao Continente Negro

sentença dada a todos os pesares

por juízes também vestidos de negro

Massa da tragédia, de trágica receita

balas de armas, com ódio a gosto

vidas, que em morte nascem desfeitas

ceifam vidas, semeado desgosto

Contem poetas, risquem o papel

quem compra passagem neste batel?

quem agora com a cana se deleita?

sumo de fel, amarga colheita

Passageiros da primeira viagem

pés se tocando, tilintar das senzalas

futuro de passos, com pés em grilhagem

sem berço, sem cantiga que embala

Quem fez do homem, um morro violento?

quem fez do homem, esse homem?

Deus, quem montou esse tormento?

quem ao fim da prece disse amém?

Lotado o batel, botaram todos no barco

a singrar mares um bote da salvação

carga: favelados de futuro parco

ficou para trás, o mentor da criação

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 18/02/2018
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