“Morro Sua Voz e Sua Vez/Levante
“...E a favela desceu pro asfalto, um mosaico de verdades engasgadas, cheias de brilho e açoite.
Assim como um sol brilhando à noite, surpreendente, como uma estrela cadente, anunciando um levante.
Efervescente, resplandecente a gritar que o morro tem vez e altivez politizada em cada alegoria, fantasia uma bofetada.
Favela, mandioca brava, resistente, persistente.
Fez o batuque que a Sinhá nunca quis e sapateou na cara do Senhor do Engenho.
Assou o pato do patrão e serviu na bandeja aos que de panelas vazias ensaiaram um batuque de cegos surdos.
Fantoches de uma nota só!
Sem permissão, o morro tomou a voz e pelo menos uma vez todo povo ecoou, tomou gosto e se sentiu representado.
Ah o Morro!!!
Madame que dizia que o samba democrata era música barata sem nenhum valor teve que escutar, ver a mistura de raça que ela não suporta, perguntar por pirraça se a escravidão acabou.
Madame viu que a raça melhorou, por causa do samba, por causa dos bambas, por causa da dor.
O morro nunca deixou de descer, sempre esteve aí no asfalto, servindo café, vendendo mate, picolé, são os invisíveis flanelinhas, as babás e seus uniformes, novos balangandãs da moderna escravidão.
O morro esta aí, é real, no dia a dia e no carnaval, seja na ala das baianas ou puxando as cordas dos blocos de trio em Salvador.
Está por aí, do luxo ao lixo.
São os porteiros dos luxuosos condomínios, os recicladores nos lixões.
Quando iremos compreender que o morro é maioria e sua poesia é liberdade?
O morro é a luta nos campos e nas cidades, é o corte da cana, a pá que vira a massa, a mão que serve a comida, a voz que canta pulsante, puxando um levante.
Ê Calunga, ê! Ê Calunga...”
(“Morro Sua Voz e Sua Vez/Levante”, by Carlos Ventura)