Preto, pobre e desarmado

Vinha descendo alegre e descalço

As ruas de barro da comunidade

Um moleque preto, pobre e desarmado

Guiado pela mãe, que sorria de felicidade.

Era uma manhã de domingo

De sol escaldante sobre a ladeira

Iam de mãos dadas mãe e filho

Buscar alguma migalha na feira.

De repente barulhos pipocam no ar

E nas vielas começou a correria

Sua mãe o abraçou e se abaixou para protegê-lo

Quando ele se levantou, sua mãe não mais sorria.

Tinha só sete anos aquele moleque preto,

Pobre e desarmado de cuja mãe levaram a vida

Sem pai, que o crime levou, agora sem mãe

Tudo por culpa de uma bala não perdida.

Recolhido à força para um abrigo

Não teria o moleque nenhuma chance de adoção

Cresceu amargurado e apenas revolta

É o que transbordava de seu coração.

Fugiu e aos quinze entregou-se ao mundo

A inocência que cedo lhe fora roubada

Ficara para sempre no passado

E a esperança era algo por ele não cultivada.

Mas agora, o moleque preto e pobre

Estava armado e era mole o dedo no gatilho

Nem se lembrava das palavras de sua mãe:

“Não suje as mãos de sangue, meu filho!”

“Confie em Deus e trabalhe duro

Para tudo o que deseja conquistar.”

Agora era tarde, julgava-se abandonado

Para sobreviver deixou-se pelo ódio levar.

Largou os bancos e as carteiras da escola

E pelo crime foi fazer formatura

Precisava fazer os seus “corre”

O que não dava com história ou literatura.

Já era homem e também já perdera a fé

Porém, quando moleque, tentaram lhe conduzir

Às igrejas, mas ou queriam violar o seu corpo

Ou o pouco que tinha queriam extorquir.

Foi afastado daquilo que talvez

Pudesse salvá-lo se a sério fosse levado

E outra vez aquele moleque pobre e preto

Era da esperança e da fé desarmado.

Correram-se anos de sua vida desajustada

Cujos dias ia passando entre a prisão e a liberdade

Nunca se ajoelhou ou mostrou arrependimento

Tamanho era seu ódio pela hipocrisia da sociedade.

Mas numa noite, em que menor era a tensão

Em frente a uma casa escuta barulho de tambor

Viu várias pessoas de branco e resolveu entrar

Passou pelo portão e lembrou-se da mãe com amor.

Sentou-se e impaciente esperou por sua vez

Parecia que sua mãe ao seu lado estava

E aos poucos foi acalmando sua perturbada alma

Que há muito de um socorro precisava.

Era um trabalho de pretos e pretas velhas

E ao chegar sua vez de ser atendido ele ouviu:

“Fio, se ajoelha, que ajoelhado ninguém tropeça.”

A tamanha humildade ele não resistiu.

“Fio, tua mãezinha te trouxe até aqui

E ela tá um tantinho triste com você

Ela sabe que as ‘coisa’ não foi mesmo fácil

Mas não era pra dos conselhos tu se ‘esquecê’”.

“Por isso, em nome do amor que tu ‘tem’ por ela,

Joga fora tuas armas e tira esse ódio do peito

Não vai ‘apagá’ os erros do teu passado

Mas para o teu futuro ainda tem jeito.”

Saiu meio encafifado com o que ouviu

Naquela mesma noite, o coração do ódio esvaziou

E ao dormir ainda sonhou com sua mãe

Lhe dizendo estar feliz com a semente que plantou.

Acordou diferente e disposto a mudar

Entregou as suas armas e outra vez como criança

Desceu as ruas de terra descalço e feliz

Começara ali a brotar-lhe firme a esperança.

Uma alma caridosa arranjou-lhe um emprego

E também um lugar para morar

Assim, com um trabalho digno e honesto

Aos poucos sua vida começou a melhorar.

No entanto, as contas do seu passado chegaram

E numa noite em que saía do serviço, sob a lua

Caminhando de volta para o descanso em seu lar

Um barulho pipocou no ar e ele caiu inerte na rua.

Em seu último lampejo de vida

Olhou para o céu e viu a mãe a lhe acalentar

E o moleque preto, pobre e desarmado

Fechou os olhos e com ela foi se encontrar.

Cícero – 16-02-18

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 16/02/2018
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