DISSE QUE ERA HOMEM, DEPOIS SE ARREPENDEU
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Continuação de:
"Comeu um preá até a outra fome chegar" (Id-6233003)
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Cerros despontam lá no arrebol do lado poente.
Estrelas dormem à noite: sinal de sujo minuano.
Lençóis de nuvens se encontrando no nascente:
esperançadas preces para a seca ir minguando.
Manhãs sem Sol: ânsia de chuva noutro arrebol.
Sopros do vento rebolam poeira pro firmamento.
Mulher agradece ao Senhor e à Sua Santa Mãe,
a Virgem Maria: "pedia pra chover e não chovia".
Família ajoelhada, a mãe faz o Sinal da Cruz pra
agradecer a Jesus pelos sinais celestiais que vê:
"Não é maná, mas chuva que Deus vai mandar!".
"Se meio o barreiro, nasce bredo dagente comer".
Ele trena o filho a limpar a unha na ponta da faca.
Aproveita-a e pica o resto de fumo achado no aió.
Fuma que nem caipora: mistura o odor da fumaça
com a inhaca que o corpo exala, o bodum do suor.
Relembrava: "se amolecesse no leito seco do rio?!"...
Por certo morreria: sem sombras pra se amparar;
sem água pra beber ou se limpar; sem comida pra
se sustentar; sem vizinhos pra ver o tempo passar;
e muita vergonha para mendigar: o maior desafio.
Mastiga a última raiz colhida para jantar e se estira
no chão encardido da casa: a família ao seu redor.
Filhos trituram esfomeados raizes que o pai largara.
Ele dorme e sonha com a sorte de ser matuto forte.
Desperta, num salto, gritando: "Eu sou um homem!"
O filho, também aos gritos, logo o repele: "Mentira!"...
E a mãe o abraça, defendendo-o de uma desgraça;
e desabafa: "Tu num diz que home é dono de terra!"...
"Qui vindo a seca num se lembra de mais ninguém;
Qui entra num carro, nem se adispede e se arretira".
Qui só te chama de ´cabra`, te dá gritos e até berra;
e tu faz que nada é contigo, e diz: tá bem!, tá bem!".
"E tudo qui ele diz tu aceita, feito cãozinho ensinado,
lambendo as bota dele, zelando o gado, as galinhas,
e, pra nói num escutar, tu fala com ele bem baixinho,
que é pra nói nem ver como tu é escravo humilhado".
"Home é ele, qui tu diz qui é inteligente e fala difícil e
tem férias e folgas, e feriados; qui veve endinheirado,
qui viaja pras Europa e te deixa cuidando dos plantio,
das terra dele, e nunca dá um tostão ou um obrigado".
"Tu te alembra daquele dia, qui ele mandou tu matar
outro home, e graças a Deus tu lhe disse que num ia.
Ele bateu em tu, eu vi, bateu como se bate em animá.
"É esse home rim que nosso filho não quer ver em tu".
Aí tudo se clareja, aí relampeja, aí troveja, aí choveja.
"Depressa, põe a jarra na biqueira, traz o pote, a lata!"...
Todos correm pra se banhar no terreiro ou no barreiro.
É madrugada, lavam a casa, só falta luz de candeeiro.
Para a família, uma festa, um milagre, enorme alegria...
Dia seguinte, tudo se encerra: chegou o dono da terra.
A mãe cuida do filho, do matulão e diz algum cochicho...
E o pai retirante, se despede emocionado e aos berros:
- "EU NÃO SOU UM HOME. EU SOU UM BICHO ! . . .
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Nota: poesia inspirada no romance "Vidas secas"
de Graciliano Ramos.
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Continuação de:
"Comeu um preá até a outra fome chegar" (Id-6233003)
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Cerros despontam lá no arrebol do lado poente.
Estrelas dormem à noite: sinal de sujo minuano.
Lençóis de nuvens se encontrando no nascente:
esperançadas preces para a seca ir minguando.
Manhãs sem Sol: ânsia de chuva noutro arrebol.
Sopros do vento rebolam poeira pro firmamento.
Mulher agradece ao Senhor e à Sua Santa Mãe,
a Virgem Maria: "pedia pra chover e não chovia".
Família ajoelhada, a mãe faz o Sinal da Cruz pra
agradecer a Jesus pelos sinais celestiais que vê:
"Não é maná, mas chuva que Deus vai mandar!".
"Se meio o barreiro, nasce bredo dagente comer".
Ele trena o filho a limpar a unha na ponta da faca.
Aproveita-a e pica o resto de fumo achado no aió.
Fuma que nem caipora: mistura o odor da fumaça
com a inhaca que o corpo exala, o bodum do suor.
Relembrava: "se amolecesse no leito seco do rio?!"...
Por certo morreria: sem sombras pra se amparar;
sem água pra beber ou se limpar; sem comida pra
se sustentar; sem vizinhos pra ver o tempo passar;
e muita vergonha para mendigar: o maior desafio.
Mastiga a última raiz colhida para jantar e se estira
no chão encardido da casa: a família ao seu redor.
Filhos trituram esfomeados raizes que o pai largara.
Ele dorme e sonha com a sorte de ser matuto forte.
Desperta, num salto, gritando: "Eu sou um homem!"
O filho, também aos gritos, logo o repele: "Mentira!"...
E a mãe o abraça, defendendo-o de uma desgraça;
e desabafa: "Tu num diz que home é dono de terra!"...
"Qui vindo a seca num se lembra de mais ninguém;
Qui entra num carro, nem se adispede e se arretira".
Qui só te chama de ´cabra`, te dá gritos e até berra;
e tu faz que nada é contigo, e diz: tá bem!, tá bem!".
"E tudo qui ele diz tu aceita, feito cãozinho ensinado,
lambendo as bota dele, zelando o gado, as galinhas,
e, pra nói num escutar, tu fala com ele bem baixinho,
que é pra nói nem ver como tu é escravo humilhado".
"Home é ele, qui tu diz qui é inteligente e fala difícil e
tem férias e folgas, e feriados; qui veve endinheirado,
qui viaja pras Europa e te deixa cuidando dos plantio,
das terra dele, e nunca dá um tostão ou um obrigado".
"Tu te alembra daquele dia, qui ele mandou tu matar
outro home, e graças a Deus tu lhe disse que num ia.
Ele bateu em tu, eu vi, bateu como se bate em animá.
"É esse home rim que nosso filho não quer ver em tu".
Aí tudo se clareja, aí relampeja, aí troveja, aí choveja.
"Depressa, põe a jarra na biqueira, traz o pote, a lata!"...
Todos correm pra se banhar no terreiro ou no barreiro.
É madrugada, lavam a casa, só falta luz de candeeiro.
Para a família, uma festa, um milagre, enorme alegria...
Dia seguinte, tudo se encerra: chegou o dono da terra.
A mãe cuida do filho, do matulão e diz algum cochicho...
E o pai retirante, se despede emocionado e aos berros:
- "EU NÃO SOU UM HOME. EU SOU UM BICHO ! . . .
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Nota: poesia inspirada no romance "Vidas secas"
de Graciliano Ramos.
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