COMEU UM PREÁ ATÉ A OUTRA FOME CHEGAR
 

Continuação de:
“O velho cão e seu retirante de estimação” (Id 6229647)
 
 
E a família comeu um preá,
já sentindo a outra fome chegar.

Marido, mulher e mais dois inocentes retirantezinhos,
sob o Sol, no silêncio do nada, puseram-se a caminho.

Algumas léguas andadas
e o esperto cãozinho, Baleia, empina as orelhas,
arrebita o rabo e sai, azougado, em disparada.
Do leito seco do rio, sobe a ladeira da área abandonada.
Encontrara uma cobra engolindo um sapo:
nada de sobra.

Pai da família pensa ligeiro:
se há cobra, há comida, há vida...
Todos sobem pra descansar à sombra de um juazeiro:
pode aparecer um outro preá; dormem por lá.

Manhã cedo, avistam uma casa, sem ninguém morar,
e ali se abrigam.

Investigam:
ao derredor, muito esqueleto de gado;
negrume de urubus esfomeados;
chiqueiros de cabra arruinados;
um barreiro vazio; catingueiras murchas,
tanto quanto a bunda e os seios da mulher,
que, de tão fraca, já não se aguentava de pé,
suja, vestida de um molambo esfarrapado,
não tinha que ver uma bruxa !

Só não lhe faltava fé:
nada era seu, também nada encontrara pra sobreviver,
mas havia cinza, isto é: havia sombra de sobra.
Convenceu o marido para ali permanecer.
Pelo menos, um lugar decente para a família morrer.

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Notas:


1) inspirado no romance "Vidas secas", de Graciliano Ramos;

2) aos interessados na obra "Em Cabedelo, numa casquinha de noz", informamos que as despesas de remessa registrada, via Correios, ficam por conta do autor.
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Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 22/01/2018
Reeditado em 26/01/2018
Código do texto: T6233003
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