O VELHO CÃO E SEU RETIRANTE DE ESTIMAÇÃO


Longo caminho, cheio de espinho.
Mulher e filhos cansados, empoeirados.
Sol escaldante.
Enfim, encontra o rio:

 leito e estômagos vazios.

Filho adoece: mulher faz prece.
Ele pensa em matá-lo,  inda alisa o gatilho.
Quer se livrar de o arrastar:
"Se não morre de bala, feito homem,
morre de fome
".


Areia quente: nenhum animal, nem gente,
nem sombra pra compensar o dia ardente.
Anoitece e, sem luar, tudo escurece.
Pra não gastar forças, fala baixo,
fica quieto.


Baleia por perto, pedindo alimento, late.
Dá-lhe combate:  um soco fê-lo calar.
Cansado e desesperançado,
no colchão de areia adormece.
"Leito estranho o do rio, sem teto ! "
  Começa a sonhar.


No sonho,
filho morre mas o deixa contente:

enterrado numa rede, como indigente...

Acorda assustado.
Vê o filho, recuperado,

a brincar com Baleia, que, nos dentes,
trás um preá de presente,
recém-encontrado, enterrado na areia.

Esfomeado, preparou o almoço,
sem sabor, aguado, destemperado...
Muito agradecido,
deixou para Baleia
o couro endurecido
e um pedacinho de osso.

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Notas:
1) inspirado no romance "Vidas secas", de Graciliano Ramos;
2) assumimos despesa postal do n/livro: "Em Cabedelo, numa casquinha de noz".
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Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 18/01/2018
Reeditado em 22/01/2018
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