Avtomat Kalashnikova obraztsa 1947 goda
I
Na quebrada do Silva
Eram 6:00 horas.
Nos Estados Unidos Da América
O sono era noturno.
Em Santo Tomé na Argentina
Um pouco mais cedo
O sol se punha
A nascer
Também em alguma parte do Brasil
Onde ainda se nasce
e morre
De homicídio e fome....
E outras tantas ocorridas
Sob os céus tupiniquins
De calor tropical e contingente imoralidade
Apagados feito braza nas páginas
Heroicamente deturpadas
De um livro didático que como o imposto
Não repassado em salários e merenda
Sequer chegou à escola de João
Que assim como José
E junto a Maria
Em romaria
Fora aonde a sorte os levou
Testando a vida e de testa
Caindo nos abismos
Do alto início
De sua história tragicamente
Breve e comum
E que de tão comum
Fora apagada!
Desde as entranhas
Do gueto em que nascera
Para mal pronunciar esta língua
De navegantes portugueses
Por muitos nunca posta a lápis!
E que sem escrita
Passam a vida a limpo
Sem corretivo e vírgulas
Tornando-se tema
De um repente triste
De versos brancos
E repetitivas batidas
Ritmadas
Nas vozes de algumas exceções
Que o universo por hora fabrica.
II
De San Ignácio na Bolívia
Pablo partia trazendo-lhes
Um souvenir de grosso calibre:
O fuzil AK-47
Velho conhecido dos soviéticos
Que já tivera erguido e
Posto abaixo Impérios
Na posse de quem não soubesse
que
A arma que trazes contigo
Não protege quem a tenha em mãos:
Ainda que no peito atinjas teu inimigo
Também irão atingir teus irmãos.
Tua vitória torna-se pírrica
Vide a guerra da qual pelejas:
Mesma morte faz-se em vida
Sorte mesma é a que desejas.
O sangue que derramas
De nada vale por redenção:
A culpa que carregas resistirá
Em tua interna solidão.
III
O dia desperta
Junto aos primeiros brasileiros
Em lotações que cortam a cidade
Enquanto a quebrada do Silva
Como qualquer lugar
(Como lugar algum)
Permanece a mercê
Da mudez destinada
Dos comandos milicianos
Na porta dos comércios
Nas igrejas nos bares
Onde o culto pagão do medo
Importado com destinatário dito insólito
Faz do objeto um brinquedo para
Teu ganho fácil e único
De bens irrisórios
Sem saber
Que o poder tomado
Em teu domínio é provisório.
IV
A cerveja nas esquinas
O campinho de areia
Agora
São somente recintos vazios
Num labirinto de seres ávidos
Feito soldados sem propósito
Sem bandeira
E honras nacionais
Que trombam sob a luz loura dos postes
O rosto pálido da morte
Mas já treinados
O fazem sem ao menos
Enunciar o próprio horror
À verdade crua e frívola
Do óbito estendido pelo ferro
Que o fere sem chance de cura
Provando aos teus olhos
A inexistência de destino
(Somente o já dito certo e podre)
Na única viela visível
No breu da noite viva
Na mão do sistema iníquo
No esquema arquitetado
Na guerra perdida
Contra o estado falido
Que como a ti também fizeres
No emprego de ser bode-expiatório
Outros tantos soldadinhos
Covardemente desealmados
Num tabuleiro suicidário
No próprio leito!
Ultrajados
Trajando o perfil sem face
Na penúria dos barracos
Pertencentes aos mesmos descendentes
De uma mãe negra
Que reside em teu pranto
Enquanto os teus ainda sangram
E sem clemência
Também fezem sangrar.