AO “JOÃO -SEM –BARRO” (sob o céu de Brasília)

Num flash de passagem,

Como sempre me tem sido,

A poesia estava ali

Pronta para ser colhida.

Eu o vi na pirambeira da rua

A içar com tamanho esforço

Uma monte de pedras

Na sua enferrujada carriola do tempo.

Eram pequenas ...grandes pedras

Como sempre são.

Pedras comuns,

Nada preciosas

Como dessas dos hediondos furtos...

Mas advindas das ruínas que deles jazem

Pelas pedreiras das vidas detonadas nas ruas.

Não sei por que,

Mas lembrei do céu de Brasília.

Subia como um robô ancião

De remoto comando invisível.

Barba por fazer.

Peito a gemer

Vida por viver...

Sonho a morrer.

Dessas cãs universais de vida...

E eu, lembrei do céu de Brasília.

Ofegava seu murmúrio de longe,

Eu ouvi, sempre os ouço,

Silente ele, resignado como todos!

Resfolegava sua pesada carga,

Claudicando as pernas bambas,

“Artropáticas” com toda certeza

Num movimento ceifante,

Algo involuntário e vitorioso.

Quanto tempo?

Quarenta, sessenta, oitenta ou mais?

Não calculei pelas linguagens do corpo.

O que vai na alma

Sempre engana a cronologia do tempo.

Lembrei do céu de Brasília.

Sei que levava em si

Várias artérias já sem fluxos.

Mesmo assim,

Vi que venceu todo o asfalto rachado

E desobstruiu várias

Das calçadas inacessíveis!

Parecia desbravar a vida...

Sem saber que vivia...ou que só parecia.

E subia...subia...e subia.

Seria em busca dum céu em Brasília?

Vencia qualquer tempo aparente,

Como se penitência fosse.

Romeiro da estrada

Das cruzes impostas.

Saberia seu destino?

Quem de nós o sabe?

Carregava pedras

Eram tantas!

Como se relíquias fossem.

Um construtor, talvez?

Homem “ João- sem- Barro”

Sem eira nem beira!

Nem galho quebrado para assentar os ossos!

Vindo e ido ao pó

Dum barro de nunca se ser ...

Tão longe da dignidade

Do igual colega

O passarinho oleiro

Ser de asas livres... riquíssimo ser!

Acima de todos os céus da terra.

Pássaro que da janela

Assistia sua tragédia empedernida

Lá de cima

Do alto do galho da primavera

Do seu Jacarandá Mimoso.

Lembrei do céu de Brasília.

De repente parou em desequilíbrio.

Tocou a mão no bolso dilapidado,

Que nem percebeu ter sido...

Sacou sua arma,

Um lenço surrado,

Dum branco encardido de dor,

Nunca sanada.

Enxugou o suor do cansaço

Sob tantos céus intangíveis.

Eu eu...de novo!

Lembrei do céu de Brasília.

E continuou a seguir

Igual pedra a rolar suas pedras acima

Para manter todos os céus da terra.

Desapareceu dos meus olhos

E adentrou no barro do meu coração.

Pedra por pedra construiu

Poesia oleira,

Vinda da olaria das trilhas ...

Em terracota comovente.

Mais uma vez,

Lembrei do tudo

Sob o céu de Brasília,

Daquele belo nascente tingido de cor

Que sem saber...

Cobre o frio e remoto controle

Das pedras do tudo de todos.

A fazer lusco- fusco

Nos poentes das vidas invisíveis.

Quantos Homens “Joões - sem –Barro”

Deus!

A derreter pedras

Pelos duros aclives das vidas.

Pela última vez

Orei ao céus.

Por um livre horizonte

Ao meu e

Aos tantos Joões-sem- Barro

Sob o descontrole do único céu de Brasília.