Não cantemos a miséria

Não! A miséria não apresenta beleza literária!

A miséria não é para ser cantada em poemas!

A miséria não pode ser recitada em salões

como obra de arte de um museu em Paris!

Não! A miséria não é música para os ouvidos..

A miséria não para ser sentida numa rima...

de forma alguma ela pode ser saboreada.

A miséria não pode ser uma doutrina estética.

A miséria não é para ser bela ao nosso cérebro.

Não! A miséria primeiro se sente na barriga!

No vazio da barriga que esvazia de sentido

toda a existência, que esvazia a mesa da cozinha,

que esvazia os móveis da casa, que esvazia

a casa de móveis, esvazia o homem da casa,

e esvazia o homem nas ruas... a miséria é o vazio.

A miséria torna o homem vazio, torna a vida vazia

invisíveis os homens, mulheres e crianças...

A miséria desregistra os nomes e as datas

reduz a estatísticas os seres, apaga da memória as pessoas.

Se um dia um poeta cantar a miséria, cuspa nele!

Desdenhe dele, tire o poema dele do ar, da vida!

Torne o poema dele miserável, esquecido, mendigo!

Até que o verso se implore perdão e se cale, pois...

à miséria não bastam versos inflamados, rimas, poesias...

Mas ou a chance de existir de novo, ou somente,

um prato de comida!