Capitalismo doméstico
A empregada, de quem sou patrão,
pessoa humilde, mora na favela.
Pergunte se eu tenho pena dela?
Algumas vezes sim e outras não.
A empregada, de quem sou patrão,
por muito pouco já não passou fome.
Às vezes eu esqueço do seu nome,
às vezes eu lhe esqueço a condução.
A empregada, de quem sou patrão,
sente vergonha de sentar-se à mesa.
Às vezes eu lhe dou a sobremesa,
às vezes não lhe dou muita atenção.
A empregada, de quem sou patrão,
chama de seu doutor meus convidados
e os coloca sob os seus cuidados,
sem receber por isso um só tostão.
Ontem, ao discuti com meu patrão,
chamei-o de vilão capitalista,
pois o vi demitir o motorista,
por não querer parar na contra-mão.
Hoje, ao demitir minha emprega,
ela lavou a louça, a calçada...
e, com a voz ainda embargada,
beijou suavemente a minha mão.