TRAJETOS DIÁRIOS
No teu trajeto,
se é trajeto a rotina do trabalho para casa,
teu corpo,
dentro de um Ford retorcido,
torna-se sempre uma coisa sobre o asfalto,
às vezes miragem líquida;
às vezes espectro rolante.
Hoje no teu trajeto diário rumo as profundezas do teu ser caseiro,
(que se dissolve durante o sono,
em uma placidez qual sapatos emborcados sob a cama,
e acorda comovido, mesmo diante do mal cheiro que se exalou)
encontraste um acidente de autos com vítimas.
Tu passaste, mas restou o desejo,
daquelas ferragens pertencerem a ti,
se tu fosses o animal certo,
o ente trombador implacável sobre aquele mar,
uma jamanta sem lona permeável,
que não tremesse por dentro
como um eixo mal regulado.
Foi hoje, eu percebi
pelo teu rosto atento e arregalado,
fora dos limites do teu bólido de rodas,
tu, o imobilizado,
olhavas as vítimas e descobrias,
- atrás da escuridão de um óleo de vida enfim vencido -
a tua verdadeira e suprema
Tara.
Do livro “Borboletas noturnas não existem”