Com quem tu brigas?
Poderia estar falando dos mares, dos ares, de como aquele dia está perfeito.
Deveria ter reparado que costurei errado meu vestido preto. Da minha boca deveria sair só palavra graciosa, quem sabe sobre o mar, a lua ou alguma prosa.
O amor deveria fazer parte do meu cotidiano, sem esparramar na minha auto-estima baseada no engano. Minha auto-imagem deveria à mim pertencer. Por quê diabos me importo com o galho seco sem florescer?
Poderia te perguntar se você ouviu aquele Raul, do velho vinil ou se você soube do tal Amarildo que sumiu. Poderia te dizer o quanto que, nos momentos de lazer, eu gosto de malhar, mas o que tem a ver falar da polícia que prefere nos matar? Deveria estar limpando a casa, as janelas dos prédios, os pátios do salão, mas o que há de errado se me arrisco sentado com o lápis na mão? Deveria estar alimentando os estoques, as gondolas, segurando a porta pra o Outro passar, mas por que é tão difícil mudar de ofício sem demais me esforçar? Poderia ir à igreja, orar pra Deus me livrar dos apertos no peito, já que "não posso cultuar os Santos dos cantos que não possuem igual direito". Poderia ser a togada, no meio daquela sala, a proferir a sentença, mas "me contentei a ser um réu preso", sem contraditório, sem recompensa. Poderia estar alimentando meus 4, largados pelo meu preto, em casa a me esperar. Mas por que a bala me achou justamente naquela hora e no exato lugar? Eles não me enxergaram, o Estado me ignora até quando vou comprar o pão. Dizem que não viram meu corpo cair, e assim, me arrastaram pelo chão. Bala na cabeça aos 10, acharam minha pobreza à metros acima. Em cima do morro não se mata gente, se elimina. Imposto, voto obrigatório, pra que título de eleitor? Só sirvo como substrato de um Estado falho e usurpador. Fui morto por apenas portar um saco de pipoca na mão. Será que pipoca mata ou milho virou munição? Poderia agora falar sobre "meu novo crachá de admissão, mas estou no pó, recrutando menor, pra carreira de ladrão". É falso o poder que "nós sente, quando chora a morte dos irmão", é fantasia que passa feito "a droga na mente", de proposital ilusão. Deveria Maísa estar escrevendo sobre o seu TCC, mas a mente dela só pensa no que se negam a saber.
24/04/2016 16:16