Violência Doméstica
Ele me castigava como a seca castiga o nordeste brasileiro.
Ele me abandonava como o governo abandona as favelas do Rio de Janeiro.
Ele me humilhava como as filas dos hospitais humilham os enfermos.
Ele me calava como as novelas calam os pensamentos.
Mas eu resistia como político investigado resiste no cargo.
Mas eu me omitia como a imprensa omite o que não é manipulável.
Mas eu não o denunciava como o comissionado não denuncia o Estado.
Mas eu implorava como imploram as escolas pelas verbas desviadas.
Meu filho assistia a tudo como o povo assiste ser passado para trás.
Meu filho ficava mudo como ficam os acusados nos tribunais.
Meu filho se revoltava com a mesma revolta medrosa das redes sociais.
Meu filho foi embora como os dezoito mortos em Mariana, Minas Gerais.
Por muitos anos eu continuei apanhando como apanham da fome os maranhenses.
Por muitos dias eu pensei ter razão como pensam ter razão os crentes.
Por muitas vezes ensaiei uma revolução como ensaiam os sul-rio-grandenses.
Por muito pouco eu não matei meu algoz como fazem os inteligentes.
As desculpas eram muitas, bem mais do que dinheiro em paraísos fiscais.
As perguntas eram tantas, bem mais do que os negros respondem nas abordagens policiais.
As mentiras eram todas, bem mais do que nos contam nas campanhas eleitorais.
As ilusões eram fartas, bem mais do que o menino que sonha com tempos de paz.
Eu cansei, não quero sofrer por mais quinhentos anos.
Eu mudei, não quero mais viver como o brasileiro vive apanhando.
Eu falei, não quero mais calar como quem vota em "branco".
Eu sonhei que o Brasil não mais me maltratava tanto.