Bala Perdida
Ninguém avisa quando e nem como, pode ser o local a hora, na verdade seria os dois juntos. Talvez o erro do homem seja um acerto do destino, talvez o contrário. E o pior, é que se formos parar pra pensar, até pra uma merda acontecer é necessário uma série de combinações aleatórias.
No país do futebol e da guerra civil, o batalhão de operações especiais e o campinho de chão batido, a incursão na hora em que não era, a final do campeonato, o moleque mais habilidoso do morro, o soldado muito bem preparado, o ódio plantado no coração do soldado, o sonho crescendo no peito do moleque. O que o soldado mais queria era estar em casa, o que o moleque mais queria era estar ali. Sonho pra um, pesadelo pra outro.
Não era a primeira vez que o caixa da padaria dizia pra ela o quanto seu menino era bom de bola, mas ela nunca ligava, havia chegado á idade em que sonhar era besteira, estudar, é isso que dá futuro, repetia sempre que ele dizia que queria ser jogador de futebol. Mas o movimento daquele sábado naquele campinho lhe chamou a atenção. E lá estava ele, franzino, com sua camisa 10 que acabava no joelho, correndo o olhar na arquibancada como sempre fazia procurando ela, mas dessa vez encontrou, sorriu.
Não era a primeira vez que o soldado mataria alguém, na verdade nem ele sabia quantos. Parou de contar pra voltar a ter paz, não fazia questão de saber o quanto contribuía com as estatísticas. O sol estava intenso, mas o calor não era o mesmo para todos. Naquele momento, para o soldado e para o moleque, a temperatura era bem mais alta, quase impossível de suportar.
O apito e o tiro. O menino corre para o lugar onde sabe que a bola vai chegar, a bala passa três dedos acima do ombro do traficante, atravessa à camisa no varal, passa no mesmo lugar onde há dois segundos estava dona Zilda, que nasce de novo sem morrer, sem saber, segue cortando o vento, e não para. A bola já está onde deve estar, no pé do moleque, que arma o chute, três dedos do lado de fora do pé, como ensinou seu irmão mais velho, efeito indefensável, pode ser o gol mais rápido do campeonato. A bala atravessa encruzilhadas, passa por barracos de todas as cores que se misturam de tão veloz sem saber pra onde vai, e não para. O moleque chuta, a bola vai girando, desenhando a curva no ar, a bala passa por entre a arquibancada, a bola vai caindo entre trave e travessão, a bala passa atrás do juiz, pela cabeça do moleque, e não para. Mas agora já não mais importa pra onde ela vai, porque a sua história acaba aqui, junto com a do moleque que caiu sem ver o gol, que ninguém comemorou. O soldado mal sabe que errou o alvo, mas acertou o tiro.
A dor é geral, mas não é a mesma pra todos naquele momento, pra mãe a dor é impossível de suportar.