Versos Crus
"Celebramos os mortos pois somos os mortos."
Apago linhas e acendo outro cigarro, outra aflição.
Que agonia!
Que de amor e romances não vivem os meus poemas.
Ainda que eu tente te trazer versos-pétalas,
o meu peito balbucia os espinhos desse nosso dia-a-dia.
É tanto soco
sanguinolento
atravessando a sina,
tanta mágoa na surdina
a espreita de mais uma desculpa para alvejar.
E se a voz grita, reclama e retruca,
pregam-nos numa cruz!
Impelindo-nos no âmago que todo mundo nasceu com vocação pra ser Jesus.
Lhes é conveniente apelar para nossa humanidade,
"nossa educação", "nosso bom-senso..."
Garantindo-lhes nossa completa submissão!
Que agonia!
Ter que me submeter ao patrão pra ganhar o pão.
Que agonia!
Ouvir que eu tenho que competir com um irmão
para não precisar me sujeitar a escravidão.
Que agonia!
Essa ideia fodida de que antes de viver, antes de SER alguém nessa vida,
eu tenha que vender a saúde do meu corpo,
dessensibilizar a minha sanidade, domesticar a minha indignação,
servir o meu tempo numa bandeja!
E no final, agradecer a oportunidade de uma subvida.
Que agonia.
Ainda que eu grite, cutuque e retruque,
nesse concerto de violências e tragédias,
sou apenas outro brado-enxame.