ALBATROZ - O VOO
Consinto que ignores quem eu sou
O produto do meio que me gerou
A presença que sempre lhe incomodou
Que nos anais da história se registrou
Como um passado sem memória que o ferro marcou
A intolerância acorrentou
A ignorância açoitou
A crueldade chibatou
O egoísmo exilou
O tom de pele estigmatizou
A covardia sentenciou
A ganância aprisionou
A "superioridade" apartou
A mentira aboliu
Feito "heroico" do qual o mundo inteiro se escusou
E jamais se envergonhou
Permito que ergas impávida fronte
E me observes do alto dos montes
E banhes teu orgulho nas fontes
Que mataram tua sede, enquanto eu erguia tuas pontes
Vislumbres em silêncio o horizonte
E me vejas longínquo, distante
Deixo que te vanglories da tua altivez
E te divirtas com a minha pequenez
Já fui contado, comprado e vendido como rês
Espero paciente a minha vez
Vou driblando a timidez, disfarçando a palidez
No vento que enxuga meu suor, refresca minha tez
Aterrissando, peregrino, preterido, de quando em vez
N'alguma proa, n'alguma ilha, n'algum convés
Tens-me na conta de selvagem, primitivo, algoz
Que te rouba o alimento, impiedoso, sem alma, atroz
"Intruso! Cala-te! Como ousas impostar a voz?"
Mas como toda ave oriunda dos mares austrais
Que não tem pouso certo, vagando de cais em cais
Sou ave do Congo, do engenho, dos cafezais
Que também sente fome, tem sede de paz
Solto meu grito pelos ares, alhures, audaz
Errante, mergulho no oceano das oportunidades, faminto, voraz
Perdoa-me, "sinhô", a insistência tenaz
Alimento-me de esperança
Busco sempre mais