ALBATROZ - O VOO

Consinto que ignores quem eu sou

O produto do meio que me gerou

A presença que sempre lhe incomodou

Que nos anais da história se registrou

Como um passado sem memória que o ferro marcou

A intolerância acorrentou

A ignorância açoitou

A crueldade chibatou

O egoísmo exilou

O tom de pele estigmatizou

A covardia sentenciou

A ganância aprisionou

A "superioridade" apartou

A mentira aboliu

Feito "heroico" do qual o mundo inteiro se escusou

E jamais se envergonhou

Permito que ergas impávida fronte

E me observes do alto dos montes

E banhes teu orgulho nas fontes

Que mataram tua sede, enquanto eu erguia tuas pontes

Vislumbres em silêncio o horizonte

E me vejas longínquo, distante

Deixo que te vanglories da tua altivez

E te divirtas com a minha pequenez

Já fui contado, comprado e vendido como rês

Espero paciente a minha vez

Vou driblando a timidez, disfarçando a palidez

No vento que enxuga meu suor, refresca minha tez

Aterrissando, peregrino, preterido, de quando em vez

N'alguma proa, n'alguma ilha, n'algum convés

Tens-me na conta de selvagem, primitivo, algoz

Que te rouba o alimento, impiedoso, sem alma, atroz

"Intruso! Cala-te! Como ousas impostar a voz?"

Mas como toda ave oriunda dos mares austrais

Que não tem pouso certo, vagando de cais em cais

Sou ave do Congo, do engenho, dos cafezais

Que também sente fome, tem sede de paz

Solto meu grito pelos ares, alhures, audaz

Errante, mergulho no oceano das oportunidades, faminto, voraz

Perdoa-me, "sinhô", a insistência tenaz

Alimento-me de esperança

Busco sempre mais

Cris Sozza
Enviado por Cris Sozza em 05/10/2016
Reeditado em 06/10/2016
Código do texto: T5782637
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