CANTO
A beleza não aprende a ser bela
e vive de ignorar
que o tempo a espreita sem a ver.
Antigamente nossos pais nos levavam
para ver no campo a madureza da fruta.
para ver no campo a madureza da fruta.
E no seixo que jogávamos no meio do rio,
cristal de impiedade, se espelhava a vida.
A beleza nada aprende
e ser é o seu segredo
— se você acender a lâmpada da sala,
até a varanda ficará clareada.
A beleza não aprende a morrer.
Não nos comunicamos com os corpos,
nossa parada é jogada com as almas.
As cortinas esvoaçam, nutrindo-se de noroeste
e as formigas preferem jantar os mortos.
A beleza quer sempre ficar acordada.
Sempre evitamos o conforto dos abismos.
Por isso são brancas as mortalhas
com que nos cobrimos na hora de dormir.
A beleza não concorda em morrer e morre
como os antigos deuses, Ágata, que exaltaram a vida,
como os modernos deuses que insistem em apregoar
a conveniência da morte.
a conveniência da morte.
- Lêdo Ivo, in "Poesia Completa", 2004.