A CRIANÇA

I

Certa vez, numa escola,

Encontrei uma criança

Bem risonha, selerepe,

Com olhar de esperança.

Perguntou-me, curiosa:

O que fazia na vida,

Que escola estudara,

Qual matéria preferida.

Antes que eu lhe respondesse,

Continuou a perguntar:

Se jogara futebol,

Se gostava de nadar...

II

Bruscamente interrompi

O garoto falador:

- Você fala até demais,

Eita, que perguntador!

Na frente de um mais velho,

Procure se comportar.

Para ser bem educado

Tem que ver, ouvir, calar.

Além disso, obediente,

Sempre diga: por favor,

Na resposta afirmativa,

Diga sempre: - Sim, Senhor!

III

- Sei que sou um falador,

Foi o que me respondeu.

A educação que hoje tenho

Não foi meu pai que ma deu.

Foi na escola da vida

Onde tudo eu aprendi.

Se sei das dores do corpo,

Todas as dores senti.

Foi perguntando e no grito

Que tive o ensinamento;

Ninguém me dava de graça,

Exigiam pagamento.

Apanhando eu desistia

De pegar o que comer;

Se tirava escondido,

Tinha logo que correr.

O sorriso que eu via,

Tinha outra direção.

Ninguém nunca imaginava

Que eu tinha um coração.

Quando eu via alguém brincando,

Eu sonhava acordado:

Todos eram da polícia

E eu estava algemado.

As roupas que mais gostava,

Via no corpo de alguém.

Meus trapos só me mostravam

Que’ u era um Zé Ninguém.

Até os cães tinham zelo

Que me deixavam a sonhar,

Desfilando de coleira

E a madame a me puxar.

Sentia-me bem tratado,

No entanto quando acordava,

No mundo dos maltrapilhos

Amargamente chorava.

Um dia uma senhora

De mim se apiedou

E sujo como eu estava,

Sorrindo me abraçou.

Levou-me pra sua casa,

Deu-me um banho e comida,

Uma cama confortável,

Uma esplêndida guarida.

Um príncipe eu me senti,

Até um trono havia,

Que eu usava à noite

Quando vontade sentia.

Hoje estou na escola

Com muito tempo atrasado,

Eu quero recuperar

O que perdi no passado.

O que a mestra me diz,

O que nos livros eu leio

Me incentivam na vida,

São base do meu anseio.

Não posso perder meu tempo,

Ou aprender devagar.

Se algo desperta a mente

Eu tenho que perguntar.

Eu sei que existe resposta

Prá tudo que há no mundo.

Não me deixe aqui ficar

Neste escuro profundo.

Uma palavra que ouvir

Me tira da solidão:

É uma luz que cintila

E mata a escuridão.

IV

Hoje, se uma criança

Pergunta algo qualquer

Explico-lhe com franqueza,

Sabendo o que ela quer.

Na maioria das vezes

Eu até saio encantado:

Pensando em ensinar,

Termino sempre ensinado.

Por mais que ela pareça

Indagação descabida,

No fundo ela procura

O encantamento da vida.

De tudo o que aprendi

E guardo aqui na lembrança,

A maior parte tirei

Do indagar de criança.