Noites de Junho

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... os pobres de Copacabana dormem amontoados nas escadarias da concessionária de carros de luxo

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e os lençóis com que se cobrem são caixas de papelão catadas no lixo - e se instalam nelas como bichos

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e os automóveis lindos, coloridos, blindados e imponentes custam os olhos da cara

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e os miseráveis - incluindo velhos, crianças, mulheres, doentes - enfrentam assim as noites frias de Junho

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e os veículos brilham ainda mais com o polimento importado e as luzes de neon

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e os desamparados não têm um pão para comer nem água para beber

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e todos os dias um carro é vendido para um ricaço - e certamente

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todas às noites um miserável morre e é enterrado como indigente

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e na manhã seguinte chega um novo carrão - repõe o estoque e fica tudo certo

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e na madrugada outro filho de Deus toma o lugar do falecido

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e logo de manhã, um funcionário impassível - uniformizado, com crachá lilás - desinfeta o chão da rua e coloca um perfume forte

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e à noite - um novo bando se instala no dormitório fúnebre

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e o cheiro é infernal

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e as almas clamam

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e todos passam e viram a cara

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... e ainda dizem que essa cidade é humana