Enegrecer de um Sol tardio

Eu só conheço as paredes do teu quarto.. o teu armário, não passo contigo pelo seu portão..

Eu só padeço do seu cuidado de pensar que comigo não.

Paredes frias que exprimem toda a minha solidão;

Ainda aprisionam minha mente, os pés e as mãos...

Estou contida em correntes, submersa num porão;

Não vejo claridade, se há uma verdade, não sou ela então!

Haja humanidade! Quanta gente alucinada em noites de ilusão.

De dia estou sentada com um ventre sem esperança, tamanha dor...

Abandonada entre as grades, invisível antes, agora sem pudor.

Pelo pai dos nossos frutos, entre o pó e o ferro, tentou sustentar;

Alguns preferem, ao invés disso, somente ignorar.

Ignorada por quem eu sou, nascida pra ser quem não me querem;

Tendo a mim aos poucos pelo ferro que corta minha pele.

Violada pelo corpo, suprimida pelo rebolado, liberta pela dança.

Ama a AMA, que lhe doou o leite, que ao invés de derramar, sangra.

Uma ordenha de leites, vindos de almas à mercê da sua cama.

Antes teus corpos eram presos, mães de filhos futuramente condenados.

Vendidos um a um, sem amor, longe dos teus cuidados.

Depois filhos livres, enfim, enxertos sociais. Ora vistos como moleques, ora sujeitos penais.

Mas presos às tuas mães, cujos corpos não foram libertos.

Do que adianta meu ventre livre se terei meu pequeno por perto?

Preso a mim, preso à minha condenação, preso ao que me submeteram..

Oh menino-guri, morto tu serás ou serás pego!

Geração infinita de gente fingida, proliferadora da opressão.

Gente bonita, ainda hoje meu rosto não é padrão;

Olha minhas mãos, ainda estão sujas com teu sabão.

Nas marquises, becos, apertos, lixos, obras, corredores, escolas sem letra.

As vidas dos 54 % reduzidas a sarjeta.

Entre o interistício do arrego laboral, cachaça, drogas e prazer carnal.

Esquecemos que não temos este fim, feito aqueles cidadãos de cetim.

Histórias que não me contaram, arrisco-me a fazer um breve relato;

E nunca vão te mostrar se tu não dispender um esforço desmesurado.

Desvio-me da lucidez para não encarar essa vida. Cada luz é uma cruz que magoa a ferida.

Peço a ti, que domina o que não sei, a declarar-me morto, pois condenado sempre serei.

Sou fruto do seu desgosto, quem sabe só pra isso me valham suas leis.

00:35, 18/05/2016.

Maisalobo
Enviado por Maisalobo em 18/05/2016
Reeditado em 28/09/2018
Código do texto: T5639296
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