O quadro
Entra ano, sai ano, nesta sala
Uma alma em quatro corpos se abriga
Primaveras, verões, outonos passam
E invernos conservam a intriga
Márcia, à janela, espera pela pizza
Fugindo de ideias amorosas
Toda livre, sem frutos, sem raiz
Solidão que parece um mar de rosas
Refeição, telefonemas, TV
Chega a temida hora de sonhar
Esse opaco em seus olhos bem conheço
Sua alma carrega o meu penar
Nasce o sol e Laura confere o clima
A pensar nas roupas que vai usar
Serve cafés, mamadeiras e colo
Para sair, arruma todo o lar
Está sempre cansada e resmungona
A família tenta não opinar
Para manterem tudo funcionando
Pobre mulher... Comigo também faz par
Parece ser fácil para Maria
Submissa, lhe cabe cuidar e amar
À noite, apenas se faz bonita
Proibida de pensar e de sonhar
Mas sonha, pois isso não se controla
Apesar de aparentar santidade
Espelha minha alma reprimida
Imita meus sonhos de liberdade
Eu, Felipa, vivi nesta mesma casa
Com paixões, com medos e com amor
Diferença? Não havia opções
Rebeldia geraria terror
Nascem, morrem, renascem gerações
A batalha da mulher é sempre igual
Observo deste quadro na parede
Mesmo morta, ainda me sinto mal.