Pobreza física

O rapaz pobre da roça lia O Capital.

Nada impede um miserável de tornar-se intelectual.

Mais triste que pagar aluguel

É pagar o aluguel de um barraco no interior.

Há livros no barraco –

O que já é estranho.

Uma bicicleta velha

Está entre os bens de maior valor.

Valores...

O Eclesiastes falou dos servos que vira em carruagens

E dos príncipes vivendo como pedestres...

Filho de Gandhi?

Não.

Nada além de um homem-esponja.

Um esponja um pouco mais pensante.

Esponja com cérebro. E dívidas.

Classe pobre.

Há outra classificação?

Mendigo de luxo, talvez.

Dentes se deteriorando

- Zé Ramalho apresentou-se na capa

Com podres nos dentes em um disco de sucesso

(que nada tinha de podre

além da miséria física e moral de que falava).

O disco era poesia em vendaval giratório.

Como o disco, gira o mundo.

E nele giram os ricos e os pobres.

E rodam os jardins

E as praias.

E rodam as igrejas com seus fiéis.

Roda a imundície dos poderosos

E a fragilidade dos que pagam por sua champanha.

A roupa está suja

E não cessa de rodar na cápsula

Da máquina de lavar.

- É isso! Uma gigantesca máquina de lavar roupa.

Assim é o nosso universo –

Mas a sujeira jaz impregnada.

O rapaz e sua moça concebem uma criança.

E trazem pro castelo mais um servo.

Ou quem sabe um príncipe que viverá como servo...

É.

As diferenças são fato indiscutível.

Atenuá-las seria o máximo em ideal.

O mais cabível ideal seria a suavização dessas saliências.

- Quão iguais e diferentes somos...

Penso que não é preciso sentir-se como príncipe.

Pode-se ser feliz apenas sendo o que é.

Sendo apenas sangue e pó.

E oxigênio que atravessa o nariz.

A idéia de um monarca justo

Não é tão menos injusta do que o resto.

E ver-se como um nobre

É uma tradicional tentativa de erguer-se

Com o apoio da inferiorização alheia.

...Esta teia de egos intrincados-

plantação onde o cultivo é de joio

e o trigo é troféu.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 09/07/2007
Código do texto: T557879