O FURO É MAIS EMBAIXO

Veja, seu moço.

Chego tarde, saio cedo,

Nas esquinas tenho medo

Que um ladrão vá me assaltá.

E o meu salário

Me causa até desgosto

Sobe a luz, sobra imposto,

Não me sobra pra sonhá.

E vem janeiro,

A muié cheia de plano

De passeá no fim do ano

Com a família veraneá

Mas chega junho

E a coisa fica séria

Já vendi até minhas féria

Nem em sonho vou viajá!

Veja, seu moço,

Tenho anos de experiência,

Mas pra acabá com minha paciência

A preocupação vem me assustá:

Se me vem um novato,

Perguntando onde me encaixo

E por um salário bem mais baixo

Vai ocupá o meu lugar?

Veja, seu moço,

Fui confiar na sua promessa:

Vote junto, vamos nessa,

As coisa vão melhorar!

Hoje eu pergunto

Como pude ser otário

Abri conta, fiz crediário,

Hoje não posso pagá!

Veja, seu moço,

O meu filho, de bravata,

Pintou faixa, fez passeata,

Foi pra rua protestá

Mas eu bem sei

Que o furo é mais embaixo

O Brasil desceu perau abaixo,

Nem santo vai levantá!

Lá na sua casa

É bem linda a situação

É propina, é cargo, é mensalão,

Sobra verba pra gastá

Aqui embaixo

A coisa é feia, o bicho pega,

Mas o pobre não enxerga:

Volta lá pra lhe votá!