A HORA DO LOBO
Alguns meses atrás
Prometi ir à Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Assistir a missa
Até hoje não fui, não sei porque
Mas com certeza não foi por causa da caminhada árdua até lá em cima
Onde fica localizada a pequena igreja
Talvez tenha sido por eu não costumar cumprir minhas promessas
Aliás, promessas nunca são cumpridas
Nunca são
Estou devendo outra visita
Sei que não é por falta de tempo
Nem medo de atravessar a pradaria infestada de lobos
Com seus olhos de lince
E seus dentes de sabre
Quando olho o relógio vejo que já passou das treze horas
Tenho até o por do sol
Só até o por do sol
As vezes penso em dar umas voltas pela cidade
Mas depois de visitar tantos lugares
Descobri que o melhor é ficar em casa
Gosto de ficar em casa
Passar uma tarde com uma garrafa de whisky, um copo, uns cubos de gelo e um filme do Bergman
Não existe filme melhor que os Bergman
Pode acreditar, não existe
Minha mãe costumava ficar na janela
Olhava os carros
Olhava o quintal
Olhava seus filhos crescerem
Ela não tinha medo de nada
Não tinha medo do escuro
Não tinha medo da chuva
Não tinha medo das noites de insônia e das alucinações que eu costumava ter durante minha estada na prisão
Fiquei tanto tempo fora que quase esqueci meu rosto que foi sugado pela terra numa noite fria de maio
Minha mãe não teve medo de nada
Nem mesmo da hora do lobo
seus cabelos eram encaracolados
Seus olhos castanhos, de uma doçura e um infinito que não se vê
Minha mãe costumava ficar na janela fumando seu cigarro
Acho que é a única coisa que eu me arrependo
Nunca tive coragem pra fumar
Nunca fui forte suficiente pra fumar um cigarro
Pra fumar com os braços abertos sentado no teto do ônibus mágico
Sim, no ônibus mágico, aquele que quando vi trouxe-me lembranças dos ônibus listrados que sonhava existir durante um período da minha infância
Minha mãe gostava de conversar com a gente na sala
E ela com seu olhar doce e seu jeito amigo não tinha medo de nada
De nada
Nem mesmo da hora do lobo