PALCO DE HYPOKRINEIN
Junto da poeira abaixo dos tapetes das famílias - estão pilhas de mentiras.
Envoltos nos fios de lã, o escândalo varrido feito pó...
Jamais vê-se mentirosos pelas ruas e lugares,
Os Pinóquios de pele, osso e unha: sempre refinados.
Errôneos tem sido, dia após dia, terceiros, outrem.
Estranhamente, a verdade só pode estar por todas as bocas - de João Grilo
Mas a mentira, mal inerente, está em todos, que não - eu;
A bandalheira é tipicamente classista - nobilíssima.
Sou como tu,
Um querubim celestial perplexo em meio a destruição da natureza, eu, que nunca lancei mão dum lixo na rua no lugar da lixeira...
Que nunca atravesso a calçada sem ver o mendicante - embora não possa ajudar;
Que aplaudo veemente o milagre da tecnologia - em detrimento do auxílio contra a miséria;
Sou como vós,
Índio puro e campestre, tocando flauta, pasmado em meio ao caos estrépito dos carros, eu, que só uso da língua de madeira e jamais tive gestos obscenos...
Eu, que oro, de joelhos prego, rogo - aos que são contra, praga arrogo;
...que salmos, cânticos e amor à Deus dedico- e de mão aos pobres abdico...
Sou todos nós,
Um João-Bobo ingênuo perdido em Sodoma, inócuo aos pecados alheios, eu? Que tão pouco tenho pisado nos mandamentos...
Eu, que "não sou homofóbico, mas...eles não precisam de direitos"
Que "não sou misógino, mas...em briga de bater em mulher, ninguém mete a colher"
Que "não sou racista, mas...não exija cotas"
Contudo "não sou xenofóbico, mas...não traga mais haitianos"
Eis que sou o centro do mundo:
Dos que - comparados a mim - menos trabalham, são tomados da acídia, melancolia ou inércia -
Dos que com avidez trabalham, chamo de orgulho, vaidade ou desmesura.
Os que pouco comem só podem ser subnutridos, raquíticos ou anêmicos-
Aquele de grande apetite é guloso, limpa-prato, rapa-tachos ou glutão...
Somos a medida da verdade, do que deve ser:
Me impressiono de como a inveja é nutrida abertamente quando estou altivo:
Se digo-me, em perfeito estado, me olham de pouca resposta,
Mas tão logo demonstro fraqueza - dão de si toda clemência...
Pra logo eu, que tão pouco tenho me incomodado com a felicidade de outrem.
Me espanta a cobiça-
A pilhagem da verba pública torna-se privada como vinho em água, e eu, financio e nada ganho...
A canalhice estatal é base da estrutura humana - medíocre e odiosa - que tira-nos sem ver, por isso galgo esse poder.
Aparecer, atuar, parecer, mandar e reger - eis a regra: todos querem ser.
Ninguém vive seu papel sequer uma vez, exceto eu, único personagem vivo, que ainda está por escrever...
Enquanto isso copio o existente, hipocritamente, pois ainda estou por nascer.