Dois curtos momentos
O corpo magrela da tez queimada
A mão esburaca a terra batida
Sofre sozinho de fome e de dor
Meu olho assimila em duas tecladas.
Um corpo estendido na areia molhada
Mil corpos de pobres na água gelada
Correm vorazes os dedos no teclado
Vai- se embora o horror em duas tecladas.
Faz- se a denúncia de tudo que é mal
Que todos subam ao púlpito da web
E discursem, e falem, e clamem e chorem
Enquanto mil olhos os enxergam
E tudo registram em apenas duas piscadas.
Mas não há mais problemas
Não há mais o que temer
Minha parte foi feita, por que continuar?
Agora que todos já sabem do horror
Me deito tranquilo, sem nenhum pavor
Sem nenhum pavor?
Levanto e vou à janela espiar
Aquele mesmo mendigo da noite passada
Farei outra rota para conseguir contornar.
Deito de novo, sem nenhum pavor
Faço minha singela oração
“Só um pouco de solidariedade, Senhor”
Amanhã é um novo dia, nova luta
Minha luta, meu dinheiro
Viro de lado e durmo rápido
Rapidinho, duas piscadas.