A história se repete
 
Irene, mulata faceira,
Era a melhor cozinheira
Do Morro do Vidigal.
Preparava doces e salgados,
Que eram bem temperados,
E não abusava do sal.
 
Sua fama correu mundo,
E um dia o Raimundo,
A levou para o Leblon,
Onde iria trabalhar,
E os seus dotes mostrar,
Para a família Calmon.
 
Lá, se tornou famosa,
E contava, toda prosa,
Que até o presidente,
Um dia, a elogiou...
E disse, que se corou,
Diante de tanta gente.
 
Mas Abel, o motorista,
Que com o violão era artista,
Por ela, se apaixonou,
E em linda serenata,
Num momento de bravata,
Por ela se declarou.
 
Foi no domingo, à tarde,
Enquanto o sol ainda arde,
Que aliança trocaram,
No Alto do Vidigal;
Era no carnaval,
E naquela noite, sambaram...
 
Abel, que era homem crente,
Pediu a Deus, tão somente,
Que lhe desse um filho, por graça.
Irene, em sua prenhez,
Teve dois, de uma só vez,
Para continuidade da raça.
 
 Eram gêmeos, genuínos,
Os dois bonitos meninos,
O primeiro, chamado Abel,
Para o pai preservar seu nome,
Porque a terra tudo come,
E nada se leva pro céu...
 
O outro nome, Rui, seria,
Em homenagem que faria,
Ao grande jurista baiano...
Rui e Abel, meninos,
Eram garotos ladinos,
Nesse mundo tão insano!
 
No morro, jogavam bola,
Usando a quadra da escola,
Com camisa flamenguista.
Abel jogava no ataque,
E com a bola era um craque,
Considerado um artista.
 
Mas Rui, que de bola era ruim,
Foi apelidado de Caim,
Como o filho de Adão...
Em vez de sentir-se orgulhoso,
Mostrou-se um invejoso,
Com os progressos do irmão.
 
Abel, ainda bem novo,
Glorificado pelo povo,
Com a camisa que adorava,
Cada vez era mais invejado,
Pelo Caim, que coitado,
Frustrado, o odiava.
 
Certo dia, um traficante,
Deu-lhe uma arma possante,
Para seu ponto defender.
Mas eis que o invejoso Caim,
Possuído pela coisa ruim,
Foi com Abel, se meter.
 
- Agora, eu tenho o poder,
Você, comigo há de ver,
Quem manda aqui, meu irmão...
- Rui, deixa disso, joga essa arma fora,
Vamos pra casa, agora,
Isso não é certo, não!
 
Mas com certeira rajada,
Abel caiu na escada,
E de sangue, o chão manchou...
Repetiu-se a triste história,
A inveja exterminou a glória,
Um flamenguista se apagou!