sobrancelhas espessas

- uma hipocrisia da sociedade: o cara não pode cheirar cocaína,

mas pode beber à vontade

- e qual seria a solução, seu barítono?

- não esconder a poeira sob o tapete

- não consigo compreender o que você diz

- liberar geral. Não se pode agir de formas diferentes

em relação a drogas igualmente nocivas

- ah, então vamos deixar que as pessoas se suicidem?

- vamos permitir que tenham a chance de se salvar

- e a morte é salvação?

- pode ser, como também

a desistência dela, se for possível

- mas assim tudo é incerteza

- não é a dúvida que traz a explicação?

- mas quando se age contra as drogas mais nocivas,

se quer proteger todo mundo

- só que aí acabam ganhando os policiais, os traficantes,

os políticos, os governantes e até os eclesiásticos ou religiosos

- até esses?

- talvez sejam os primeiros. É só olhar direitinho

- e qual seria o caminho? Aliás, seu barítono-poeta,

não consigo ver poesia nesse discurso amargo

- poesia não é pra se ver, é pra se sentir (com o que se vê ou se ouve)

- não estou sentindo nada

- se nada consigo fazer você sentir, é porque não sou poeta

Justificada Tristeza saiu de fininho provavelmente não querendo continuar a conversação.

Barítono Enrustido ficou olhando pra pedra no caminho, permitindo que se lhe curvassem ainda mais as sobrancelhas espessas.

Águas de São Pedro, 10/06/2007