O Aborto nosso de cada dia

O Aborto nosso de cada dia

Mamãe, como será a minha morte?

A fome ou a dor, qual será mais letal?

Seu peito anêmico de amor e leite,

não quer mais me alimentar.

Mamãe, tenha mais paciência,

meu choro não é só da fome e da

sede que insistem em me incomodar.

Mamãe, o aspirador seria melhor,

melhor que esta mão pesada que

deveria proteger e acariciar.

Mamãe, o aspirador teria sido rápido.

muito mais rápido que o tempo que

estas feridas levarão para cicatrizar.

Mamãe, dessa brincadeira que o papai

ensinou, eu não quero mais brincar.

A sucção, eu preferia esta brincadeira.

Porque você deixou ele me molestar?

A agulha espinhal não é mais brutal

que negar amor a quem o implora.

Se eu pudesse escolher, escolheria morrer

de uma só vez, numa cama de hospital.

Mas você, mamãe, permite que eu morra

um pouquinho por dia, em cada gota

de agonia, em cada penetração anal.

Mamãe, porque me deixou crescer,

se não podia me cuidar e me amar?

Você não abortou, mas tem me matado

desde o dia em que me deixou nascer.

Talita Kelly

Talita Kelly
Enviado por Talita Kelly em 27/02/2015
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