O Aborto nosso de cada dia
O Aborto nosso de cada dia
Mamãe, como será a minha morte?
A fome ou a dor, qual será mais letal?
Seu peito anêmico de amor e leite,
não quer mais me alimentar.
Mamãe, tenha mais paciência,
meu choro não é só da fome e da
sede que insistem em me incomodar.
Mamãe, o aspirador seria melhor,
melhor que esta mão pesada que
deveria proteger e acariciar.
Mamãe, o aspirador teria sido rápido.
muito mais rápido que o tempo que
estas feridas levarão para cicatrizar.
Mamãe, dessa brincadeira que o papai
ensinou, eu não quero mais brincar.
A sucção, eu preferia esta brincadeira.
Porque você deixou ele me molestar?
A agulha espinhal não é mais brutal
que negar amor a quem o implora.
Se eu pudesse escolher, escolheria morrer
de uma só vez, numa cama de hospital.
Mas você, mamãe, permite que eu morra
um pouquinho por dia, em cada gota
de agonia, em cada penetração anal.
Mamãe, porque me deixou crescer,
se não podia me cuidar e me amar?
Você não abortou, mas tem me matado
desde o dia em que me deixou nascer.
Talita Kelly